Ciclone de 15 Fevereiro 1941 em Portugal

Vince

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Como complemento da informação anterior:

O mínimo da pressão foi atingido durante a tarde:
Rêgo da Murta – 935,3 hPa
Coimbra (Geofísico) – 937,3 hPa (descida de 49,3 hPa/ 14 horas)
Lisboa (Geofísico) – 950,0 hPa (descida de 42,9 hPa/ 13 horas)
Porto (Geofísico) – 953,6 hPa
Évora – 954,7 hPa
Tavira – 982,6 hPa

De notar que em 1941 não existiam normas nem critérios tão rigorosos como actualmente...por isso estes valores têm de ter em conta esse facto.
O rigor e os cuidados exigidos pela Ciência também não podem ignorar este tipo de informação associada a um fenómeno ocorrido e que pode repetir-se de forma ainda mais gravosa. Tudo tem de ser contextualizado.


Chingula, haverá a possibilidade destas pressões serem as reais e não as ajustadas ao nível do mar ?
 


rozzo

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Eu sinceramente penso que terão mesmo de ser, até porque ajustando todas ao nível do mar, ficam não só razoáveis, como semelhantes entre si para locais pouco distantes..
;)
 

Chingula

Cumulus
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16 Abr 2009
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Chingula, haverá a possibilidade destas pressões serem as reais e não as ajustadas ao nível do mar ?

Os valores dos Intitutos Geofísicos (Lisboa, Coimbra e Porto) merecem-me toda a credibilidade e por convenção (só se pode comparar o que estiver, à partida, nas mesmas condições) a pressão atmosférica (para efeitos sinópticos) é medida e calculada, em relação ao nível médio do mar. Nas estações de altitude o nível de referência já será outro...por exemplo para as Penhas Douradas será o nível dos 850 hPa, utilizando-se então o geopotencial da estação.
 

rozzo

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11 Dez 2006
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Eu ao dizer que penso ser os valores ao nível da estação e não ao nível do mar não estou a tirar credibilidade aos Institutos Geofísicos. Longe disso! ;)

Então a pressão num local é um valor concreto que é medido. A pressão ao nível do mar é uma conversão feita logo na altura utilizando a formula hipsométrica, simples, com a altitude do local, densidade do ar, e temos a pressão reduzida ao nível do mar, e como foi bem dito, utilizada para termos uma comparação "justa" entre estações a altitudes diferentes claro, visto em dezenas de metros haver logo variações de vários hPa.

Neste caso de 1941, para os valores atrás mencionados, eu fiz a conta para experimentar converter ao nível do mar (supondo que não estão) e utilizando a altitude dos locais mencionados, e sinceramente continua-me a parecer muito mais lógico que sejam valores da pressão não reduzidos ao nível do mar.
Por vários motivos:

1) A diferença entre eles, avassaladora.
2) O facto de fazendo essa conta, locais próximos terem valores coerentes.
3) Esses valores já fazerem mais sentido com a carta de reanálise, embora esta deva ser vista com cautela óbvio, mas dos 970 até aos 930 é um erro muito grande mesmo para uma reanálise penso eu...

Seja como for, eu não acho estranho o facto de aparecerem valores não convertidos ao nível do mar. Ainda no outro dia em conversa com o Vince acerca de uma depressão em forte cavamento nas Baleares, se teve essa dúvida por ver em Synops valores altamente diferentes à mesma hora na mesma estação, e depois se reparou que era por isso mesmo, um estava reduzido ao nível do mar, e outro não.

Mas claro, não vou jurar isto a pés juntos, posso estar errado e ser mesmo a pressão reduzida ao nível do mar, mas então nesse caso a reanálise é muito má, e fico simplesmente assim com os valores:
:surprise:

Mas mantenho a opinião que aquele recorte com valores de pressão se refere a valores não convertidos ao nível médio do mar! :)
 

Chingula

Cumulus
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16 Abr 2009
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Eu ao dizer que penso ser os valores ao nível da estação e não ao nível do mar não estou a tirar credibilidade aos Institutos Geofísicos. Longe disso! ;)

Então a pressão num local é um valor concreto que é medido. A pressão ao nível do mar é uma conversão feita logo na altura utilizando a formula hipsométrica, simples, com a altitude do local, densidade do ar, e temos a pressão reduzida ao nível do mar, e como foi bem dito, utilizada para termos uma comparação "justa" entre estações a altitudes diferentes claro, visto em dezenas de metros haver logo variações de vários hPa.

Neste caso de 1941, para os valores atrás mencionados, eu fiz a conta para experimentar converter ao nível do mar (supondo que não estão) e utilizando a altitude dos locais mencionados, e sinceramente continua-me a parecer muito mais lógico que sejam valores da pressão não reduzidos ao nível do mar.
Por vários motivos:

1) A diferença entre eles, avassaladora.
2) O facto de fazendo essa conta, locais próximos terem valores coerentes.
3) Esses valores já fazerem mais sentido com a carta de reanálise, embora esta deva ser vista com cautela óbvio, mas dos 970 até aos 930 é um erro muito grande mesmo para uma reanálise penso eu...

Seja como for, eu não acho estranho o facto de aparecerem valores não convertidos ao nível do mar. Ainda no outro dia em conversa com o Vince acerca de uma depressão em forte cavamento nas Baleares, se teve essa dúvida por ver em Synops valores altamente diferentes à mesma hora na mesma estação, e depois se reparou que era por isso mesmo, um estava reduzido ao nível do mar, e outro não.

Mas claro, não vou jurar isto a pés juntos, posso estar errado e ser mesmo a pressão reduzida ao nível do mar, mas então nesse caso a reanálise é muito má, e fico simplesmente assim com os valores:
:surprise:

Mas mantenho a opinião que aquele recorte com valores de pressão se refere a valores não convertidos ao nível médio do mar! :)


Académicamente, a minha opinião é que a variação dos valores da pressão registados em 15 de Fevereiro de 1941, por várias entidades sem estar interligadas numa perspectiva comum, como existe actualmente (observações à mesma hora por exemplo) se deve mais ao cavamento rápido da pressão próximo da região Centro ao largo da Figueira da Foz (Coimbra registou o valor mais baixo) e, posteriormente, em paralelo com o deslocamento da depressão para nordeste deu-se o seu enchimento também rápido...quanto à questão da conversão do valor da pressão da estação para o nível do mar, nessa época, já havia indicações nesse sentido, embora não tendo a certeza, me apoie na maior credibilidade das observações dos Institutos Geofísicos...pois são as entidades no País que têm as séries mais longas...embora nos últimos anos tenha havido alguns problemas que não cabem neste comentário.
 

Vince

Furacão
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23 Jan 2007
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As reanálises não tem de facto fidedignidade muito grande, penso que devem ser encaradas como esboços gerais da atmosfera, com algumas reservas. As das décadas seguintes já parecem mais consistentes com mais dados. Lembro-me que quando foi a depressão do Oeste a mesma ficou classificada em várias análises como tendo uns 980 quando na verdade teve 969, e se calhar lá vai aparecer nos arquivos para o futuro com esses valores e não os reais. Não sei....

Mas isso também pode ser contrabalançado com os modelos, falando do que vem aí, nós quando vemos um modelo global como o GFS ou ECM a indicarem 970 por exemplo, a pressão mesmo no centro pode ser uns bons 10 hPa's a menos, mum mesoescala é sempre mais baixo que no global que o inicializou, e mesmo o mesoescala pode subestimar ainda um pouco mais. Na depressão do Oeste penso que houve uma rara oportunidade de um cavamento profundo passar exactamente sobre uma estação meteorológica, uma coisa que não acontecerá todos os dias pois não se andam a largar sondas no centro dum ciclone como os americanos fazem por exemplo com os ciclones tropicais no Atlântico.

Em relação aos dados de 1941, eu também não ponho de parte essa hipótese, como são coisas antigas, podem ter sido registadas de várias formas e por qualquer razão os dados que sobreviveram até hoje não serem os ajustados ao nível do mar. Mas claro, é apenas especulação. Mas como compreender algumas dessas pressões nesta latitude? Complicado não é ?
 

irpsit

Cumulonimbus
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9 Jan 2009
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Inverness, Escocia
Em princípio se ajustarmos os valores ao nível do mar, daria qualquer coisa como:
Porto 959mb
Coimbra 952mb
Lisboa 953mb
Évora 982mb
Tavira 985mb

(usei a regra aproximada de 10mb por cada 100 metros de altitude)

Mesmo assim a pressão mínima deveria andar nos 950mb, caindo 50mb em algumas horas, o que é algo recorde!
 

stormy

Super Célula
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7 Ago 2008
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Em princípio se ajustarmos os valores ao nível do mar, daria qualquer coisa como:
Porto 959mb
Coimbra 952mb
Lisboa 953mb
Évora 982mb
Tavira 985mb

(usei a regra aproximada de 10mb por cada 100 metros de altitude)

Mesmo assim a pressão mínima deveria andar nos 950mb, caindo 50mb em algumas horas, o que é algo recorde!

é o que dá estarmos numa area com oceanos amenos, facilidade tanto em advecções tropicais fortissimas como em advecções polares maritimas intensas e ocorrencia de ondulações do jet favoraveis...
no dia em que toda a "poção" se junta as condições para estas depressões explosivas ( "shapiro-keyser", "seclusoes quentes", etc) tornam.-se basicamente perfeitas:shocking::)
 

David sf

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8 Jan 2009
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Oeiras / VN Poiares
O melhor relato que encontrei desta situação, principalemente da vertente meteorológica:

El análisis meteorológico.- Los días previos al temporal no se caracterizaron por un tiempo estable en la Península. El SMN comentaba en su Avance del jueves 13 de febrero de 1941 que “durante las últimas veinticuatro horas se han registrado lluvias en toda España, y muy especialmente en Andalucía, donde las precipitaciones han sido de importancia en las provincias de Sevilla, Córdoba y Jaén”.

A lo largo del día 13 el tiempo fue mejorando por el suroeste de la Península, donde penetraban tímidamente las altas presiones. Esta situación iba a ser transitoria, ya que el propio SMN anunciaba el viernes 14 la siguiente predicción: “Vientos racheados del tercer cuadrante [sur-oeste]. Poniente fuerte en el Estrecho”.
Teniendo en cuenta que la estabilidad atmosférica en la Península acostumbra a venir de la mano del anticiclón de las Azores que, al extenderse en mayor o menor medida sobre nuestro país, refuerza el viento de Levante en el Estrecho, lo que se anunciaba era todo lo contrario, algo que hacía pensar en la visita de una perturbación atlántica, como así fue, aunque excepcional.
Las primeras pistas se las dieron a los meteorólogos del SMN, el día 14, los pocos datos de que disponían. España en aquella época sólo recibía información meteorológica de Yugoslavia y Portugal, siendo la portuguesa la que resultaba más útil para nuestros intereses.
Al comparar las temperaturas de las 13 h12 del viernes 14 en diferentes observatorios de las Azores con las registradas a las 18 h del miércoles 12, “la temperatura en aquel archipiélago había descendido unos 6º [centígrados], por lo que hay que suponer que el aire de las Islas era tropical [con una pequeña oscilación térmica diaria en este caso] el día 12 y fue sustituido por una masa de aire polar”, según nos relata Pita.
Posteriormente, y con buen criterio, el entonces Jefe de Predicción de la Oficina Central del SMN, deduce que de dicho encuentro entre esas dos masas de aire debe resultar una borrasca, que se identifica ya en el mapa sinóptico de las 18 h del día 14, como una depresión ordinaria de 990 hPa, a escasos 200 Km al este de la isla de San Miguel, en las Azores.
Será a partir de este momento y durante las siguientes 48 horas cuando la borrasca, en su desplazamiento hacia el noroeste de la Península, se vaya profundizando, registrándose presiones inferiores a los 960 hPa en la costa cantábrica durante la madrugada del 16 de febrero. Los mapas de la FIGURA 2 nos muestran de izquierda a derecha y de arriba abajo esa evolución atmosférica, responsable del terrible temporal de los días 15 y 16 de febrero de 1941.
En el mapa 1, correspondiente a las 0 h del sábado 15, aparece la depresión cerca todavía del archipiélago portugués, aproximadamente a 20ºW y algo por debajo del paralelo 40. La presión de la menor isobara cerrada es de 988 hPa, algo menor que la que presentaba durante la tarde del viernes. Vemos también otra borrasca más profunda (980 hPa) al oeste de Irlanda, de alguna manera conectada a la primera.

Aunque desde las primeras décadas del siglo XX ya se realizaban con cierta regularidad y sincronía medidas aerológicas, conociéndose así algunos detalles del estado de la alta atmósfera, habría que esperar hasta el final de la II Guerra Mundial para que quedara establecida una red internacional de radiosondeos, permitiendo el trazado diario de mapas de altura como el de la FIGURA 1. Aun así, a partir del mapa 1, de análisis en superficie, puede deducirse la presencia en altura de una situación en rombo, en la que los dos centros de baja presión marcarían la diagonal mayor (en la dirección N-S) de dicha figura geométrica. La corriente zonal del oeste se bifurcaría en dos ramas, una ascendente, rodeando “por encima” la borrasca superior, y otra descendente envolviendo a la inferior. Ambas ramas se volverían a unir, más al este, sobre el continente europeo.
Este tipo de situaciones son siempre precursoras de intensos temporales en la Península Ibérica, ya que el aire polar se abre paso hacia el sur, desplazando de su posición habitual a las altas presiones.
El mal tiempo empieza a extenderse por el oeste peninsular. En palabras de Pita: “El día 15, a [las] 7 horas (T.M.G.), el temporal se anuncia ya en el SW de España por la dirección de los vientos y por las lluvias prefrontales de toda Andalucía y Extremadura, ...”. Además, “las tendencias barométricas eran excesivamente fuertes en descenso”, lo que es un claro indicador de la rapidez con la que se acercaba a la Península la borrasca atlántica, que también se vio muy reforzada por el intenso chorro de aire frío que la alimentaba en altura.

A las 13 h del sábado 15 las observaciones efectuadas sitúan “un frente cálido, que pasa al norte del Tajo y muy próximo al río, al que corta por Talavera [de la Reina]”, pero, como también nos apunta el meteorólogo, se detecta otro más al norte “casi paralelo al Duero” que es el responsable de abundantes nevadas a esa hora en León capital, El Bierzo y también en Soria. La borrasca se situaba ya muy cerca de la costa norte portuguesa, alcanzándose en sus alrededores una presión de 965 hPa.
El gradiente bárico en esos momentos era muy grande en el oeste de la Península, provocando una convergencia de vientos muy marcada hacia la borrasca. Los más fuertes eran los de componente sur en el suroeste peninsular, fusionándose “tres o cuatro horas más tarde” los dos frentes cálidos en uno sólo. Por detrás, la entrada brusca de uno frío muy activo desencadenó, a partir de ese momento, los mayores efectos destructores, registrándose las mayores rachas de viento.

el mapa 2 de la FIGURA 2. Aunque Pita nos diga que “no es posible situar exactamente a [las] dieciocho horas el centro de la perturbación”, añade a continuación que “probablemente debía de estar bastante cerca de las costas gallegas”13, lo que corrobora el trazado isobárico con frentes debido a Mateo (mapa 2). A la vista de ese mapa, la presión en el centro de la borrasca rondaba entonces los 960 hPa.

Fue durante toda esa tarde de sábado cuando el temporal azotó con la máxima violencia la comunidad gallega y la Cuenca del Duero, dirigiéndose a últimas horas hacia el área cantábrica. “El viento del sur adquirió velocidades que rebasaron los 100 kilómetros por hora, siendo éste el temporal más violento que se ha observado en la costa norte en un periodo de tiempo que se ha dicho de unos cien años”. Teniendo en cuenta que estas palabras las escribía el meteorólogo Mateo en 1955, tendríamos que remontarnos hasta mediados del S: XIX para observar otro temporal de tamaña magnitud.
En el momento de cruzar Galicia y en su recorrido por tierra hasta volver al mar por la costa asturiana, la presión en el centro de la borrasca debió de situarse muy cerca de los 950 hPa14. El mapa 3, correspondiente a las 0 h del domingo 16, la sitúa ya sobre el Cantábrico, marcando la menor isobara cerrada una presión de 960 hPa. La trayectoria que siguió a partir de ese momento la llevaría hasta el Finisterre francés, en la Bretaña, a las 7 h.
En ese mapa destacan un par de hechos extraordinarios. Por un lado, la presencia de esa borrasca tan profunda en latitudes tan bajas (entre los 42 y los 44ºN) y, por otro, la gran extensión que ocupa la perturbación, sintiéndose sus efectos en lugares tan distantes como las Canarias e Islandia. Es bastante significativo el calificativo de “huracán” que usó el meteorólogo Lorente en referencia a ella.

daqui:

http://www.divulgameteo.es/uploads/Febrero-1941.pdf
 

Chingula

Cumulus
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16 Abr 2009
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Na próxima Terça-feira dia 15 de Fevereiro "comemoram-se" 70 anos do chamado ciclone de 1941...que em termos espaciais, toda Península Ibérica, deve ter sido a situação meteorológica, em que a pressão atmosférica, à superfície, atingiu o seu valor mais baixo e o vento foi mais intenso...desde que há registos...
 

irpsit

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9 Jan 2009
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Inverness, Escocia
Aqui na Islandia tenho experienciado depressoes muito cavadas este inverno.

Tive uma vez em Janeiro uma pressao minina de 958mb (nivel do mar)
E tenho tido várias vezes ventos a ultrapassaram os 110km/h.

Portanto acho perfeitamente razoavel o cenário duma depressão dessas a atingir Portugal em 1941 e novamente no futuro.
 

algarvio1980

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21 Mai 2007
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Olhão (24 m)
Algarve sofreu com o ciclone que atingiu o país há 70 anos, a 15 de Fevereiro de 1941

Há 70 anos, o Inverno resistia a ceder lugar à Primavera e, depois de vários dias de muita chuva, o pior aconteceu. Se a nefasta II Guerra Mundial ocupava até então, e consecutivamente, as primeiras páginas dos diários nacionais, um raro fenómeno meteorológico remeteu as notícias dos combates para as páginas centrais.

TEMAS: História e histórias do Algarve

Um terrível ciclone extra-tropical atingiu e devastou Portugal, a 15 de Fevereiro de 1941. Nesse mesmo sábado, o jornal «O Século» publicava uma notícia relativa a Olhão, datada do dia anterior: «Um fortíssimo temporal – o terceiro destes últimos dias - assolou hoje [14 de Fevereiro] esta região, causando sérios prejuízos nas embarcações, muitas das quais foram arrojadas de encontro ao cais».

Se a notícia era já por si má, longe estavam os algarvios de imaginar o que ocorreria nesse fatídico dia 15 de Fevereiro.

O boletim meteorológico apenas previa «aguaceiros alternados com abertas; ventos do quadrante W bastante fortes com rajadas e golpes de vento forte durante os aguaceiros». Em suma, tudo apontava para uma situação idêntica aos dias anteriores, mas a previsão falhou.

Naquele dia, teve lugar a maior tempestade até então registada pelo Observatório Meteorológico de Lisboa, criado em 1854.

Em escassas horas, a pressão atmosférica baixou drasticamente, determinada por um cavamento extraordinário de uma depressão que se deslocou, numa fase inicial, dos Açores em direção à Península Ibérica e, posteriormente, paralelamente à costa ocidental do continente, de Sul para Norte.

O resultado foi uma violentíssima tempestade que atingiu o auge em Portugal às 15 horas daquele Sábado Magro.

Os ventos alcançaram em Lisboa uma velocidade de 127 km/h, semeando o terror na capital, como em todo o país.

As consequências foram nefastas: além de várias horas de pânico vivido pelas populações, registaram-se dezenas de vítimas mortais e elevados prejuízos materiais.

Em todo um cenário dantesco, o Algarve não foi exceção. A imprensa da época, como «O Século» e o «Diário de Notícias», divulgou amplamente os efeitos na região.

O primeiro daqueles periódicos traçou mesmo uma síntese a nível regional: «A província do Algarve foi assolada por um violentíssimo temporal, que causou prejuízos de grande monta, avaliados em dezenas de milhar de contos. A floração das amendoeiras foi desfeita pela ventania e tem-se como certa a perda quase total da produção do fruto, o que agrava consideravelmente a crise. Grandes trovoadas pairaram por toda a região. Muitas casas ficaram destruídas ou sem telhados e a violência da tempestade fez-se sentir, em especial nas zonas fabris e nos aglomerados de habitações de gente pobre. Há milhares de árvores derrubadas. No litoral, a tormenta atingiu inaudita violência e o mar tocado pelo ciclone, invadiu grandes extensões de terra cultivada, devastando completamente sementeiras e pomares. Por toda a parte há tristeza e desolação».

O vento terá soprado a uma velocidade de 140 km/h no Algarve e, nas palavras do correspondente do «Diário de Notícias», «tudo foi varrido, esfacelado, aniquilado».

Em Olhão, «muitas são as embarcações que estão avariadas ou afundadas. Várias embarcações carregadas de esparto foram atiradas para terra perdendo-se a carga. (…) Na fábrica de conservas Figueiredo & C.ª abateu o telhado, havendo prejuízos no valor de 150 contos. Outro tanto sucedeu a outras fábricas, casas e edifícios da companhia Portuguesa de Congelação, onde abateu uma parede. Os empregados nada sofreram por ser hora de almoço. O cinema Apolo ficou completamente destruído. Os telhados da maior parte das fábricas foram pelos ares o mesmo sucedendo às árvores da rua da República e aos postes de iluminação pública. (…) As sementeiras estão completamente destruídas. Só na horta da Penha, propriedade do Sr. João Neto, há mais de 200 amendoeiras arrancadas pela raiz. O fornecimento de energia eléctrica está também interrompido desde ontem [14 de Fevereiro]».

Quanto aos acessos à capital de distrito, «na estrada de Faro a Olhão caíram mais de 200 eucaliptos; e entre aquela vila e Portimão contam-se 470 postos telegráficos derrubados».

O tráfego automóvel era pois muito condicionado, e como se isso não bastasse, «as linhas telefónicas estão interrompidas; os comboios não podem circular por as vias estarem obstruídas com postes e árvores. Na estrada de Portimão, um garoto cuja identidade se desconhece, foi morto pela queda de uma árvore».

Já no sítio das Figuras (em Faro), «foram derrubados todos os eucaliptos ali existentes, assim como os postes telegráficos e telefónicos».

No dia 16 era feito o balanço: «Os prejuízos em Faro são como já dissemos, muito importantes. No cemitério caíram numerosos ciprestes que atingiram vários jazigos e levantaram muitas sepulturas. Abateu também um muro de um quintal na rua de Alportel e a platibanda de uma casa na rua Coelho de Melo. Na estrada de Loulé foram derrubados todos os eucaliptos e todos os postes telegráficos».

Também o Liceu João de Deus sofreu muitos estragos, de tal forma que as aulas acabaram por ser suspensas.

Em Santa Bárbara de Nexe e Estoi, «a violência do vento devastou completamente sementeiras e destruiu numerosas árvores».

No jardim público de Estoi, «caíram alguns dos grandes ciprestes que ali existem. Uma dessas árvores seculares, cujo tronco dificilmente seria abraçado por oito homens, foi arrancado pela raiz. Em toda a aldeia, cuja população é constituída por pequenos proprietários, a desolação é completa».

Já em Loulé, «os prejuízos são também enormes. Parte da rede eléctrica ficou danificada, tendo-se interrompido por completo, o serviço telegráfico e telefónico. O trânsito nas estradas também ficou interrompido, por motivos dos desabamentos de árvores, o mesmo sucedeu na linha férrea. Desabou o «esqueleto» dos bombeiros, em cima de uma habitação que ficou muito danificada. Muitas outras casas ruíram, e só na rua do Prior aluíram cinco prédios. Nos campos e arredores há estragos incalculáveis».

Afinal, «perdeu-se totalmente a colheita de amêndoas e houve propriedades que quase ficaram limpas de arvoredo e com os favais e searas queimados», noticiavam os jornais da época.

Em Quarteira, «também se verificaram importantes estragos, pois o mar avançou pela povoação, derrubando casas e arrastando tudo em turbilhão. Junto à estrada nuns pinheirais foram derrubadas mais de cem árvores».

Na então aldeia piscatória, a violência do mar demoliu ainda «a parede principal do quartel da guarda-fiscal».

Também a «antiga fábrica da Sociedade de Transportes e Comércio foi parcialmente destruída, assim como casas onde estavam instalados estabelecimentos e armazéns de peixe. O importante olival existente na estrada de Loulé para a estação, pertencente ao Sr. Cipriano Neves, sofreu igualmente muitos estragos. Foram destruídas mais de 150 árvores».

Na freguesia de Salir, «houve danos incalculáveis. Caíram milhares de sobreiros, eucaliptos, amendoeiras, e ficaram devastados hortas e pomares. O vendaval arrasou ou destruiu os tugúrios de gente humilde que ficou desabrigada e na maior miséria. Os prejuízos são avaliados em mais de 10 000 contos. Nada escapou à fúria do vento que até levou a cruz do presbitério e devassou os jazigos no cemitério. (…) Para a desgraça ser maior as feras acossadas pela fome desceram aos povoados e devastaram os rebanhos».

Na vizinha freguesia de Querença, até a ponte junto à Fonte de Benémola (na fotografia) ruiu com a tempestade.

(Continua)

Bibliografia: Jornais “O Século” e “Diário de Notícias” de Fevereiro de 1941 e http://www.meteopt.com
Fotografia gentilmente cedida pelo Eng.º Luís Guerreiro, Chefe da Divisão de Cultura e Museus do Município de Loulé


*Investigador de História Local e Regional



15 de Fevereiro de 2011 | 15:00
Aurélio Nuno Cabrita*

Fonte: Barlavento Online

Excelente artigo. Não podia faltar a referência ao fórum:thumbsup:
 

algarvio1980

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21 Mai 2007
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Olhão (24 m)
Os relatos dramáticos dos estragos no Algarve causados pelo ciclone que atingiu Portugal há 70 anos

No dia 15 de fevereiro de 1941, um ciclone extra-tropical atingiu o país, deixando um rasto de mortes e prejuízos por toda a parte. Hoje continuamos aqui a descrever o que se passou no Algarve, nesse fatídico dia há 70 anos.
Em Portimão, «o ciclone, que atingiu cerca de 150 km/h, causou grandes prejuízos nesta cidade e seu porto, na Praia da Rocha e campos vizinhos. No porto, garraram muitas embarcações e outras foram à deriva rio acima, depois de rebentadas as amarras. As águas do rio subiram, inundando completamente o largo Heliodoro Salgado e as ruas circunvizinhas».

Os prejuízos «sobem a milhares de contos. (…) Árvores arrancadas pela raiz, sementeiras destruídas, casas desmoronadas, grandes avarias nas redes eléctricas, telefónica e telegráfica. A casa Fialho deve ter sido a que mais prejuízos sofreu. O vento deitou a terra a sua fábrica de S. Francisco. Casa do descabeço, casas de enlatar, armazéns, casas dos operárias – tudo o vento arrasou», referiam os jornais da época.

«Abateu o barracão da Junta Autónoma dos Portos do Algarve, ficando esmagados alguns barcos do Club Naval de Portimão que lá se encontravam», acrescentava o periódico.

Os mercados do peixe e agrícola ficaram sem telhado e na Praia da Rocha o cinema ficou destruído. O jornal local «Comércio de Portimão» refere, na sua edição de 18 de fevereiro de 1941, que o ciclone atingiu o pico na cidade às 13 horas de sábado, com tal violência que «grande parte da população julgou chegado o seu último dia», as pessoas que «se aventuravam a circular nas ruas foram derrubadas e atiradas ao chão ou de encontro às paredes dos prédios».

Enquanto isso, na Baixa de Portimão, «voaram a maior parte das lâmpadas e globos dos modernos candeeiros».

Na Mexilhoeira Grande, «os favais estão completamente perdidos e poucas esperanças restam de salvar qualquer colheita».

Também em Silves se registaram muitos danos: «abateu a fábrica de cortiça da firma Coutinho & C.ª. Morreu na derrocada um rapaz de 13 anos e ficou outro gravemente ferido».

Esta não foi, contudo, a única fábrica destruída, já que os jornais da época referem que «sofreram prejuízos importantes as fábricas de cortiça de Bento Monteiro, de José Cruz, de Abílio Braz, de Aldemiro Mira e José Duarte. No cemitério, caíram todos os ciprestes. Os eucaliptos e cedros que ladeavam a Cruz de Portugal, monumento nacional, caíram, tendo apenas destruído parte do gradeamento do monumento».

O ciclone terá derrubado em Silves mais de 300 eucaliptos, e os prejuízos neste concelho foram estimados em mais de 1000 contos. Na freguesia de Armação de Pêra, «o mar destruiu a esplanada, deslocando enormes rochas. Mais de quarenta barcos foram atirados contra os fraguedos, ficando estilhaçados. Os prejuízos foram enormes nas amendoeiras, nos favais e nos ervilhais de Pêra, região que abastece Lisboa».

Ainda em Algoz, «o mercado foi parcialmente destruído». Nesta localidade ocorreu, porém, um facto curioso: «as rajadas de vento levavam consigo água salgada, e atiraram aos ares os transeuntes desprevenidos».

Mas também em Alte (Loulé), choveu água do mar, «que queimou as plantas escapadas à fúria do temporal».

Na aldeia mais típica do Algarve, «algumas mulheres cozinharam com água aparada em vasilhas postas às goteiras, sem necessidade de lhe deitar sal. O resultado foi não poderem comer, por excessivamente salgados, os alimentos assim cozinhados. As próprias folhas das plantas, passado o temporal, tinham um sabor forte a sal».

Na hoje cosmopolita Albufeira, «o passeio marginal e a esplanada sofreram estragos. Sobre a ermida da Sr.ª da Orada caíram grandes ciprestes, que causaram prejuízos».

Ainda neste concelho, em Paderne, «toda a flor das amendoeiras e alfarrobeiras foi destruída».

Na Praia do Carvoeiro (Lagoa), «o mar invadiu a povoação arrastando os barcos através da rua principal. As casas dos habitantes, os chalés dos veraneantes, balaustradas e a escada que dá acesso à praia, sofreram danos enormes. Grandes blocos de pedra e areia cobriram as ruas».

Na estrada entre esta então aldeia e Lagoa, «foram arrancados pela raiz onze grandes eucaliptos, que destruíram numa grande extensão, a canalização de água desta vila». Ainda em Lagoa «abateu um armazém do Sr. Graça Mira».

Destruição sobre devastação que se repetiu um pouco por todo o Algarve, até no Cabo de São Vicente, se verificou um episódio inédito: «as vagas atingiram mais de 50 metros de altura, alcançando a instalação do farol [penetrando na casa das máquinas, facto até hoje nunca verificado]. Foram arrancadas rochas com o peso de muitas toneladas e projectadas a grande altura».

Nas Caldas de Monchique, «a famosa mata sofreu prejuízos enormes. Sobre a Pensão Internacional caiu um eucalipto que causou importantes danos. Na estrada de Portimão a Silves, foram derrubadas centenas de eucaliptos».

Também em Monchique houve casas destruídas e muitas árvores caídas.

Em Odeceixe (Aljezur), «o vento partiu e arrancou árvores, destelhou a maior parte dos prédios da povoação e fez cair a platibanda do prédio do Sr. José Paulino da Silva. As várzeas foram invadidas pelas águas do mar».

Já em Lagos, «o mar danificou a linha férrea, próximo da praia de S. Roque, e derrubou a parede fronteira ao mercado do peixe, pondo em risco as embarcações que se tinham refugiado na Porta de Portugal. O vento derrubou as chaminés de seis fábricas de conservas de peixe e de muitas casas particulares e a balaustrada do edifício dos Paços do Concelho. Como em todo o Algarve os prejuízos foram importantes no arvoredo».

No Sotavento, em Olhão, ocorreu ainda um facto singular: «tal violência atingiu o ciclone que uma lancha foi pelo ar desde a ria até ao Largo da Feira, numa distância de cerca de cem metros. Em frente à praça do peixe, dois homens foram erguidos pelo vento e atirados de encontro à parede».

Já a «cobertura da serração Leal desapareceu por completo», enquanto um moinho de vento, propriedade do Sr. Tomás Saias, era derrubado.

Mas foi nesta localidade que ocorreu um dos episódios mais emocionantes daqueles dias, o naufrágio dos veleiros «Alvorada» e «Natal»: «Ambos estavam carregados de conservas quando o ciclone chegou. Em poucos minutos, os barcos afundaram-se, enquanto outros (cercos de pesca e de diferentes categorias) eram arremessados de encontro às muralhas da doca, com formidável estrondo. Apavorados, vendo que a fúria do mar aumentava, os tripulantes do «Natal» e «Alvorada» subiram aos mastros e ali ficaram agarrados, com as forças centuplicadas pelo desespero. (…) Em altos gritos, pediam auxílio divino, pois viam que de terra, era impossível, nessa altura, mandar-lhes socorro. Da vila centenas de pessoas presenciavam, aterradas, aquela cena medonha. De súbito, houve um grito de espanto. Um homem, um valente – João Custódio, casado, 48 anos, natural de Olhão – meteu-se no seu barquito e, perante todos os que o viam, tentou raivosamente ir socorrer os infelizes António Lemos e Manuel Bocas. O que se seguiu foi espantoso! As ondas ameaçavam tragar o frágil madeiro, de um instante para o outro. Mas o valoroso marítimo reagiu e alcançou o seu objectivo, recolhendo os dois desgraçados, que choravam de agradecimento. Daí a pouco, o mar vingou-se. O arrojado João Custódio foi projectado de encontro à muralha por uma onda monstruosa. O barco sumiu-se por um turbilhão de espuma. Todos julgaram que o temerário marítimo perecera, mar viram-no emergir e alcançar a terra. Da embarcação nada se salvou».

Quanto aos outros pescadores e de uma forma idêntica foram salvos e «afectuosamente recolhidos na residência de madame Eugénia Macé, gerente da fábrica Lory, que lhes deu agasalhos e bebidas quentes».

Na então vila piscatória afundaram-se quatro barcos, três batelões e dezenas de barcaças vazias, «que foram afundadas ou partidas, alem de inúmeros pequenos barcos de pesca, cujos humildes proprietários ficam na maior miséria».

Os prejuízos só dos quatro barcos de conservas afundados foram calculados entre 900 a 1000 contos, «importância parcialmente coberta pelo seguro».

Mas muitos outros prejuízos houve “especialmente nas fábricas de conservas, a Guerreiro & C.ª sofreu danos no valor de 18 000$00, e a de Pedro José, no de 50 000$00».

(Continua)

Nota: O jornal «Comércio de Portimão» foi gentilmente cedido pelo Centro de Documentação do Museu de Portimão.

27 de Fevereiro de 2011 | 10:41
Aurélio Nuno Cabrita*

Fonte: Barlavento Online

Factos impressionantes que não deixam ninguém indiferente. :shocking::surprise:
 

Aurélio

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Ondas de 50 metros de altura???

E já agora porque não 200 ou 300 metros de altitude, caramba que esta gente exagera sempre imenso .... no que toca a contar factos !!