Fenómeno "El Niño" facilitou viagem de circum-navegação de Fernão de Magalhães

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27 Nov 2006
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Lisboa, 16 Mai (Lusa) O fenómeno oceano-atmosférico "El Niño", que nas últimas décadas tem intrigado os cientistas climáticos, poderá ter ajudado o navegador português Fernão de Magalhães a realizar há quase 500 anos a sua viagem de circum-navegação.
Segundo um novo estudo hoje publicado pela revista Science, Magalhães encontrou bom tempo a 28 de Novembro de 1520, depois de enfrentar durante dias a fúria do mar a sul da América do Sul.
A partir daí, especulam os investigadores, a sua passagem para o oceano Pacífico poderá ter sido ajudada pelos efeitos de acalmia do "El Niño".
Quando este ocorre, as águas do Pacífico Equatorial tornam-se mais quentes do que o normal, criando ar ascendente que altera o vento e os padrões meteorológicos. Entre os seus efeitos contam-se seca no Pacífico ocidental e maior pluviosidade no Peru e na costa ocidental da América do Sul.
De acordo com os dados disponíveis, "El Niño" ocorreu em 1519 e 1520, e terá possivelmente começado em 1518.
Depois de seguir pelo estreito que tem o seu nome, Magalhães navegou para norte ao longo da costa da América do Sul até que virou para noroeste, tendo atravessado o equador e chegado eventualmente às Filipinas, onde foi morto numa batalha com indígenas.
O navegador português procurava as chamadas Ilhas das Especiarias, actualmente pertencentes à Indonésia, mas o rumo que seguiu levou-o para norte desse objectivo.
Na perspectiva dos antropólogos Scott M. Fitzpatrick, da Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA), e Richard Callaghan, da Universidade de Calgary (Canadá), essa rota terá sido ditada pelas boas condições e os ventos favoráveis do "El Niño".
O estudo vem hoje resumido na revista Science e será publicado na íntegra na edição de Agosto do Journal of Pacific History.
Os investigadores estavam a estudar as primeiras viagens de exploração e ficaram surpreendidos com o facto de Magalhães ter estranhamente viajado muito para norte, explicou Fitzpatrick.
"Só depois pensámos no "El Niño", ao tentar perceber por que razão os ventos estavam tão calmos quando chegou ao Pacífico", acrescentou. "Sabíamos que era invulgar".
Os cientistas usaram um computador para fazer um modelo do vento e das condições do tempo no Pacífico durante o "El Niño", e compararam-no depois com a rota de Fernão de Magalhães.
Os diários do navegador indicam que muitos dos seus marinheiros morreram ou adoeceram com escorbuto, pelo que terá simplesmente decido aproveitar os ventos e as correntes, mesmo ao preço de ficar com menos tripulantes nos seus navios, refere o investigador.
Nos seus escritos, Magalhães explica que decidiu seguir para norte devido a relatos de fome nas Ilhas das Especiarias, o que corresponde a um dos efeitos do "El Niño", segundo Callaghan e Fitzpatrick.
Fernão de Magalhães terá recebido correspondência de um amigo naquelas ilhas antes de iniciar a viagem, pelo que poderá ter sabido assim da vaga de fome. Mas como a correspondência ficou destruída no terramoto de Lisboa de 1755, isto é impossível de confirmar.
Embora permaneçam incertas as razões da escolha da rota seguida por Magalhães, as condições associadas ao "El Niño" podem "em grande medida ser responsáveis pela estruturação da rota e a extensão do que muitos consideram a maior viagem do mundo", escreveram os investigadores.
Segundo Fitzpatrick, a viagem poderá de facto constituir o primeiro registo do "El Niño".
Francis Drake encontrou condições favoráveis no Estreito de Magalhães quando o atravessou em 1578, mas enfrentou depois meses de tempestades no Pacífico que lhe dispersaram as naus e afundaram uma.
James Cook parece ter também beneficiado do "El Niño" durante a sua exploração do Pacífico em 1769.