Livestream dos últimos momentos de vida da sonda Rosetta que hoje cairá no cometa 67P, no final de uma longa jornada de mais de 12 anos. Hora prevista mais ou menos as 11:20 utc (12h20 PT continental)
Adeus Rosetta
Adeus Rosetta
Na sexta-feira, a sonda Roseta vai cair no cometa 67P. E adormecerá para sempre. Mas o seu legado vai continuar: nos próximos anos haverá mais resultados científicos sobre o 67P. Os cientistas esperam desvendar os mistérios do sistema solar
O momento será semelhante ao de um doente na cama de um hospital. Algures no início da tarde de sexta-feira, o sinal electrónico da sonda Rosetaque chega continuamente à Terra e mostra que está viva vai apagar-se. Como os familiares desse doente, os cientistas da Agência Espacial Europeia (ESA) saberão então que a sonda adormeceu para sempre na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, a milhões de quilómetros de distância, no meio do espaço. Será o ponto final de uma das mais emblemáticas missões espaciais, em que pela primeira vez uma sonda orbitou um cometa e outra “aterrou” nele.
O momento será semelhante ao de um doente na cama de um hospital. Algures no início da tarde de sexta-feira, o sinal electrónico da sonda Rosetaque chega continuamente à Terra e mostra que está viva vai apagar-se. Como os familiares desse doente, os cientistas da Agência Espacial Europeia (ESA) saberão então que a sonda adormeceu para sempre na superfície do cometa 67P/Churiumov-Gerasimenko, a milhões de quilómetros de distância, no meio do espaço. Será o ponto final de uma das mais emblemáticas missões espaciais, em que pela primeira vez uma sonda orbitou um cometa e outra “aterrou” nele.
Mas até nos últimos momentos, durante a lenta queda no cometa que nos deu a conhecer, a sonda Roseta ainda oferecerá um conjunto de informação inédita sobre aquele objecto.
“Vamos medir a atmosfera junto à superfície do cometa, a menos de dois quilómetros de altitude, onde nunca estivemos [com a Roseta]. Esta informação será única, permitindo perceber como funciona a atmosfera do cometa, como ela se liberta do seu núcleo”, explica Matt Taylor, astrofísico da ESA que faz a ligação entre a equipa científica e a equipa de operações desta missão, respondendo ao PÚBLICO. “Além disso, as covas que existem perto do ponto de impacto [calculado para a sonda] são muito importantes. As paredes destas covas têm pequenas estruturas de um a três metros de diâmetro que acreditamos serem muito importantes na construção do cometa.”

Fotografia tirada à Roseta pela File quando começou a descer para o cometa ESA
Matt Taylor acompanha a missão há alguns anos e, como o resto da equipa da ESA, passou por momentos muito entusiasmantes mas que deixam qualquer um com os nervos à flor da pele. Por isso, perguntamos-lhe o que significa este ponto final? “Estamos apenas a dizer adeus à sonda. A ciência da missão continuará por muitos anos. É nisso que nos vamos concentrar a partir de agora. Foi por isso que, em primeiro lugar, elaborámos esta missão.”
Os cometas são agregados de minerais, poeiras e gelo. Muitos têm órbitas rebuscadas, diferentes das dos planetas. Quando estão mais perto do Sol, o calor acaba por aquecer o núcleo e a sua actividade lança poeiras para o espaço produzindo as icónicas caudas. O cometa Halley, que viaja da órbita de Plutão até um ponto entre Vénus e Mercúrio, pode ser observado da Terra a cada 75 ou 76 anos. A última vez que o vimos foi em 1986. Calcula-se que iremos voltar a vê-lo em 2061.
Numa conversa em 2014, Matt Taylor falava-nos sobre o fascínio destes fenómenos. “Os cometas são a aparição visual do espaço”, dizia. “É algo que aparece e desaparece, e vai em direcção a um sítio longínquo.” Como tal, num céu que parece igual todas as noites, estes objectos relembram-nos que lá fora há movimento e transformação, nada é estático. Por isso, tudo pode ser alvo da nossa curiosidade, ajudando-nos a compreender o Universo, como ele se formou e o que lhe vai acontecer.

Matt Taylor esteve em Lisboa, em 2014, para falar sobre a missão Roseta no Pavilhão do Conhecimento NUNO FERREIRA SANTOS
Uma aventura científica
O interesse dos cientistas nos cometas está ligado ao estudo do início do sistema solar e da própria Terra. Objectos como o 67P/Churiumov-Gerasimenko foram formados mesmo no início de vida do sistema solar, há 4600 milhões de anos. Estes objectos não passaram pelos processos geológicos dos planetas. Por isso, podem dizer-nos mais sobre como eram os calhaus formados no início do sistema solar, que acabaram por ajudar a construir os planetas que conhecemos hoje.
É nesta tradição que surge a missão da Roseta, que começou a ser pensada no fim da década de 1980 como o passo seguinte da missão Giotto, uma sonda da ESA que a 13 de Março de 1986 passou a menos de 600 quilómetros do cometa Halley para o estudar. O nome da Roseta provém da famosa Pedra de Roseta, hoje no Museu Britânico, em Londres. Tal como a pedra ajudou a descodificar a antiga escrita egípcia de hieróglifos, permitindo o acesso dos egiptólogos a um manancial de informação sobre aquela antiga civilização, também a sonda está a ajudar a ler o cometa, abrindo a porta o início do sistema solar.
A sonda, com 2,8 metros de altura, 2900 quilos e dois painéis solares de 14 metros de comprimento, foi lançada da Terra a 2 de Março de 2004 e nos dez anos seguintes andou a dar voltas aos planetas interiores do sistema solar para, com ajuda da sua gravidade, conseguir alcançar o cometa 67P – que viaja entre a órbita de Júpiter e outro ponto entre a Terra e Marte.
Depois de ter fechado os olhos (entre 2011 e 2014, para poupar energia),voltou a abri-los e a aventura científica começou. A 6 de Agosto de 2014, aRoseta entrou finalmente na área de influência gravítica do 67P – um cometa que começou por ser apelidado de “pato de borracha” pela forma em que surgia nas primeiras imagens obtidas semanas antes, com um lóbulo maior (o corpo do pato) e outro mais pequeno (a cabeça). Mas nesse dia, pudemos finalmente observar a paisagem irregular, complexa e fascinante daquele estranho mundo alcançado pela Roseta.

Cometa 67P ESA
A partir de então, os 11 instrumentos científicos da sonda começaram a analisar o 67P, desde a sua topografia até às partículas que liberta. Outro objectivo imediato foi delinear um local no cometa para o pequeno File: o robô com 100 quilos que a Roseta levou ao colo desde a Terra, programado para aterrar no 67P, enroscar-se no solo, e fazer várias análises com os seus dez instrumentos. A 12 de Novembro, a Roseta largou o File em direcção a uma planície no lóbulo pequeno do cometa. A descida foi escorreita, mas o robô não conseguiu agarrar-se ao solo e ressaltou algumas vezes, acabando por cair perto de uma ravina com pouca luz.
Como estava programado para trabalhar com luz solar, o robô funcionou apenas com a bateria carregada que levava. Apesar de ter feito uma série de experiências nesses poucos dias, trabalhou muito menos tempo do que a equipa tinha programado. “Há coisas a favor e contra por causa dos ressaltos do File – sem eles não teríamos descoberto o campo magnético do cometa, já que obtivemos leituras de mais de um lugar junto do solo. Além disso, não teríamos chegado a Albydos, que é um lugar belo”, diz Matt Taylor. “No entanto, por causa dos saltos, não fizemos ciência durante muito tempo. Ainda assim, foi uma missão que teve muito sucesso.”
"Dois anos maravilhosos"
O File voltou a acordar brevemente (em Junho de 2015), mas as comunicações com a Roseta e a Terra foram muito complicadas, e terminaram rapidamente. A maioria da ciência foi feita pela Roseta, que continuou a dar voltas ao 67P, e teve o privilégio de observar de perto aaproximação máxima do cometa ao Sol.

Cometa 67P no periélio, quando esteve perto do Sol em Agosto de 2015 ESA
Ainda com muitos dados por analisar, a Roseta já deu algumas respostas sobre a natureza do 67P. “Descobrimos que se formou num lugar muito frio, longe do Sol, devido às observações de azoto e de oxigénio”, conta Matt Taylor, resumindo algumas das principais descobertas. “A existência de oxigénio molecular foi uma das maiores surpresas. O oxigénio é muito reactivo e encontrá-lo sozinho significa que foi aprisionado e congelado [no núcleo do cometa] logo no início do sistema solar. Descobrimos que o tipo de água no cometa é muito diferente da que existe na Terra. Isto sugere que foram os asteróides, e não os cometas, que trouxeram o maior bolo de água para a Terra [primitiva]. No entanto, encontrámos muitos compostos orgânicos no 67P: poderão ter chegado à Terra em grandes quantidades vindos nos cometas, proporcionando assim as sementes da vida.”
Esta quinta-feira à noite começa a descida da Roseta – a 3,24 quilómetros por hora – em direcção à superfície do 67P. Os cientistas da ESA decidiram pôr fim à missão porque a sonda está a envelhecer e começa a entrar numa região do espaço onde há pouca luz. Preferiram aproveitá-la para uma última experiência enquanto desce.
Estima-se que o impacto ocorra por volta das 11h40 de sexta-feira, hora de Lisboa. Nessa altura, a sonda irá desligar-se automaticamente. Se tudo correr como o programado, o sinal de “fim de emissão” chegará à Terra 40 minutos depois, às 12h20.
“Foi um projecto ambicioso e essa ambição levou a dois anos maravilhosos, em que recolhemos a melhor informação de sempre sobre um cometa, aprendendo assim como funciona e como está ligado ao sistema solar”, resume o astrofísico. “E as pessoas interessaram-se pela missão, todo o tipo de pessoas. Isso é óptimo!”
https://www.publico.pt/ciencia/noticia/adeus-roseta-1745545
“Vamos medir a atmosfera junto à superfície do cometa, a menos de dois quilómetros de altitude, onde nunca estivemos [com a Roseta]. Esta informação será única, permitindo perceber como funciona a atmosfera do cometa, como ela se liberta do seu núcleo”, explica Matt Taylor, astrofísico da ESA que faz a ligação entre a equipa científica e a equipa de operações desta missão, respondendo ao PÚBLICO. “Além disso, as covas que existem perto do ponto de impacto [calculado para a sonda] são muito importantes. As paredes destas covas têm pequenas estruturas de um a três metros de diâmetro que acreditamos serem muito importantes na construção do cometa.”
Fotografia tirada à Roseta pela File quando começou a descer para o cometa ESA
Matt Taylor acompanha a missão há alguns anos e, como o resto da equipa da ESA, passou por momentos muito entusiasmantes mas que deixam qualquer um com os nervos à flor da pele. Por isso, perguntamos-lhe o que significa este ponto final? “Estamos apenas a dizer adeus à sonda. A ciência da missão continuará por muitos anos. É nisso que nos vamos concentrar a partir de agora. Foi por isso que, em primeiro lugar, elaborámos esta missão.”
Os cometas são agregados de minerais, poeiras e gelo. Muitos têm órbitas rebuscadas, diferentes das dos planetas. Quando estão mais perto do Sol, o calor acaba por aquecer o núcleo e a sua actividade lança poeiras para o espaço produzindo as icónicas caudas. O cometa Halley, que viaja da órbita de Plutão até um ponto entre Vénus e Mercúrio, pode ser observado da Terra a cada 75 ou 76 anos. A última vez que o vimos foi em 1986. Calcula-se que iremos voltar a vê-lo em 2061.
Numa conversa em 2014, Matt Taylor falava-nos sobre o fascínio destes fenómenos. “Os cometas são a aparição visual do espaço”, dizia. “É algo que aparece e desaparece, e vai em direcção a um sítio longínquo.” Como tal, num céu que parece igual todas as noites, estes objectos relembram-nos que lá fora há movimento e transformação, nada é estático. Por isso, tudo pode ser alvo da nossa curiosidade, ajudando-nos a compreender o Universo, como ele se formou e o que lhe vai acontecer.
Matt Taylor esteve em Lisboa, em 2014, para falar sobre a missão Roseta no Pavilhão do Conhecimento NUNO FERREIRA SANTOS
Uma aventura científica
O interesse dos cientistas nos cometas está ligado ao estudo do início do sistema solar e da própria Terra. Objectos como o 67P/Churiumov-Gerasimenko foram formados mesmo no início de vida do sistema solar, há 4600 milhões de anos. Estes objectos não passaram pelos processos geológicos dos planetas. Por isso, podem dizer-nos mais sobre como eram os calhaus formados no início do sistema solar, que acabaram por ajudar a construir os planetas que conhecemos hoje.
É nesta tradição que surge a missão da Roseta, que começou a ser pensada no fim da década de 1980 como o passo seguinte da missão Giotto, uma sonda da ESA que a 13 de Março de 1986 passou a menos de 600 quilómetros do cometa Halley para o estudar. O nome da Roseta provém da famosa Pedra de Roseta, hoje no Museu Britânico, em Londres. Tal como a pedra ajudou a descodificar a antiga escrita egípcia de hieróglifos, permitindo o acesso dos egiptólogos a um manancial de informação sobre aquela antiga civilização, também a sonda está a ajudar a ler o cometa, abrindo a porta o início do sistema solar.
A sonda, com 2,8 metros de altura, 2900 quilos e dois painéis solares de 14 metros de comprimento, foi lançada da Terra a 2 de Março de 2004 e nos dez anos seguintes andou a dar voltas aos planetas interiores do sistema solar para, com ajuda da sua gravidade, conseguir alcançar o cometa 67P – que viaja entre a órbita de Júpiter e outro ponto entre a Terra e Marte.
Depois de ter fechado os olhos (entre 2011 e 2014, para poupar energia),voltou a abri-los e a aventura científica começou. A 6 de Agosto de 2014, aRoseta entrou finalmente na área de influência gravítica do 67P – um cometa que começou por ser apelidado de “pato de borracha” pela forma em que surgia nas primeiras imagens obtidas semanas antes, com um lóbulo maior (o corpo do pato) e outro mais pequeno (a cabeça). Mas nesse dia, pudemos finalmente observar a paisagem irregular, complexa e fascinante daquele estranho mundo alcançado pela Roseta.
Cometa 67P ESA
A partir de então, os 11 instrumentos científicos da sonda começaram a analisar o 67P, desde a sua topografia até às partículas que liberta. Outro objectivo imediato foi delinear um local no cometa para o pequeno File: o robô com 100 quilos que a Roseta levou ao colo desde a Terra, programado para aterrar no 67P, enroscar-se no solo, e fazer várias análises com os seus dez instrumentos. A 12 de Novembro, a Roseta largou o File em direcção a uma planície no lóbulo pequeno do cometa. A descida foi escorreita, mas o robô não conseguiu agarrar-se ao solo e ressaltou algumas vezes, acabando por cair perto de uma ravina com pouca luz.
Como estava programado para trabalhar com luz solar, o robô funcionou apenas com a bateria carregada que levava. Apesar de ter feito uma série de experiências nesses poucos dias, trabalhou muito menos tempo do que a equipa tinha programado. “Há coisas a favor e contra por causa dos ressaltos do File – sem eles não teríamos descoberto o campo magnético do cometa, já que obtivemos leituras de mais de um lugar junto do solo. Além disso, não teríamos chegado a Albydos, que é um lugar belo”, diz Matt Taylor. “No entanto, por causa dos saltos, não fizemos ciência durante muito tempo. Ainda assim, foi uma missão que teve muito sucesso.”
"Dois anos maravilhosos"
O File voltou a acordar brevemente (em Junho de 2015), mas as comunicações com a Roseta e a Terra foram muito complicadas, e terminaram rapidamente. A maioria da ciência foi feita pela Roseta, que continuou a dar voltas ao 67P, e teve o privilégio de observar de perto aaproximação máxima do cometa ao Sol.
Cometa 67P no periélio, quando esteve perto do Sol em Agosto de 2015 ESA
Ainda com muitos dados por analisar, a Roseta já deu algumas respostas sobre a natureza do 67P. “Descobrimos que se formou num lugar muito frio, longe do Sol, devido às observações de azoto e de oxigénio”, conta Matt Taylor, resumindo algumas das principais descobertas. “A existência de oxigénio molecular foi uma das maiores surpresas. O oxigénio é muito reactivo e encontrá-lo sozinho significa que foi aprisionado e congelado [no núcleo do cometa] logo no início do sistema solar. Descobrimos que o tipo de água no cometa é muito diferente da que existe na Terra. Isto sugere que foram os asteróides, e não os cometas, que trouxeram o maior bolo de água para a Terra [primitiva]. No entanto, encontrámos muitos compostos orgânicos no 67P: poderão ter chegado à Terra em grandes quantidades vindos nos cometas, proporcionando assim as sementes da vida.”
Esta quinta-feira à noite começa a descida da Roseta – a 3,24 quilómetros por hora – em direcção à superfície do 67P. Os cientistas da ESA decidiram pôr fim à missão porque a sonda está a envelhecer e começa a entrar numa região do espaço onde há pouca luz. Preferiram aproveitá-la para uma última experiência enquanto desce.
Estima-se que o impacto ocorra por volta das 11h40 de sexta-feira, hora de Lisboa. Nessa altura, a sonda irá desligar-se automaticamente. Se tudo correr como o programado, o sinal de “fim de emissão” chegará à Terra 40 minutos depois, às 12h20.
“Foi um projecto ambicioso e essa ambição levou a dois anos maravilhosos, em que recolhemos a melhor informação de sempre sobre um cometa, aprendendo assim como funciona e como está ligado ao sistema solar”, resume o astrofísico. “E as pessoas interessaram-se pela missão, todo o tipo de pessoas. Isso é óptimo!”
https://www.publico.pt/ciencia/noticia/adeus-roseta-1745545