A falácia dos 43%
Tem-se afirmado que a componente das energias renováveis no consumo de electricidade no país ronda os 43%.
Outros, ainda mais entusiasmados e confundindo a electricidade com todo o sistema energético, dizem que as renováveis já respondem por 43% da energia consumida em Portugal.
Apresento então aos leitores o contributo das renováveis para o consumo bruto de electricidade no país (produção bruta + saldo importador de energia). A primeira percentagem é a real, efectivamente verificada, a segunda é a oficial 'cozinhada' na secretaria.
2001 - 35.5% / 36.2%;
2002 - 21.8% / 32.3%
2003 - 37.3% / 34.6%;
2004 - 25.2% / 35.3%
2005 - 16.8% / 35.9%;
2006 -30.6% / 36%;
2007 - 31.1% / 42.7%;
2008 - 27.8% / 43.3%
Esta discrepância resulta então da aplicação de um critério bizarro, para não lhe chamar de puro ludíbrio. A Direcção-Geral de Energia e Geologia explica que o número oficial é calculado em função da Directiva europeia 2001/77/CE, ao abrigo da qual a produção hidroeléctrica pode ser corrigida mediante indexação a um Índice de Produtividade Hidroeléctrica (IPH) dum ano de referência. Esse índice depende obviamente da pluviosidade e permite quantificar o desvio entre o valor da produção hidroeléctrica verificada em dado ano e a produção que haveria em ano de regime hidroeléctrico médio. A 'marosca' está em que foram buscar para ano de referência o ano de 1977, de excepcional pluviosidade, com difícil repetição e com um IPH = 1.22, e não um ano médio.
Então, em 2008, que foi um ano de fraca pluviosidade com um IPH = 0.562, a sua produção hidroeléctrica real de 7102GWh foi corrigida, tendo-se obtido uma produção 'cozinhada' de 7102 x 1.22 / 0.562 = 15 406GWh que somada às restantes renováveis permitiu passar da percentagem de 27% para 43.3%!
Assim sendo, todos os valores oficiais estão empolados por se ter como referência um ano extremamente húmido, em vez dum ano médio! Havendo um ciclo hidroeléctrico, é evidente que se devem corrigir os valores anuais, calculando a componente estrutural de produção hidroeléctrica, ajustada do ciclo.
Para os economistas dir-lhes-ei apenas que o método usado é semelhante ao de calcular o défice estrutural das finanças públicas a partir do melhor ano do ciclo económico (aquele em que as receitas foram as maiores e as despesas as menores)... Como bem sabemos, o défice estrutural é ajustado em função do ciclo económico.
Tudo isto mostra aliás a ligeireza e a demagogia com que nos andam a vender as renováveis.
Acontece até que para empolarem a componente das renováveis, tiveram que se "encostar" à componente hídrica, justamente aquela que foi esquecida depois do demagógico episódio de Foz Côa e a partir daí só apostaram na energia eólica. Se tivéssemos, como eu tinha feito no governo, continuado a apostar na componente hídrica, a percentagem das renováveis seria hoje bem maior, sem necessitarmos da 'marosca' em apreço.
Face a um recente concerto do Tony Carreira para apoiar as renováveis, percebi o 'filme': da maneira que nos estão a vender as renováveis, não nos estão a dar energia, estão a dar-nos música!...
Luís Mira Amaral
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009
Tem-se afirmado que a componente das energias renováveis no consumo de electricidade no país ronda os 43%.
Outros, ainda mais entusiasmados e confundindo a electricidade com todo o sistema energético, dizem que as renováveis já respondem por 43% da energia consumida em Portugal.
Apresento então aos leitores o contributo das renováveis para o consumo bruto de electricidade no país (produção bruta + saldo importador de energia). A primeira percentagem é a real, efectivamente verificada, a segunda é a oficial 'cozinhada' na secretaria.
2001 - 35.5% / 36.2%;
2002 - 21.8% / 32.3%
2003 - 37.3% / 34.6%;
2004 - 25.2% / 35.3%
2005 - 16.8% / 35.9%;
2006 -30.6% / 36%;
2007 - 31.1% / 42.7%;
2008 - 27.8% / 43.3%
Esta discrepância resulta então da aplicação de um critério bizarro, para não lhe chamar de puro ludíbrio. A Direcção-Geral de Energia e Geologia explica que o número oficial é calculado em função da Directiva europeia 2001/77/CE, ao abrigo da qual a produção hidroeléctrica pode ser corrigida mediante indexação a um Índice de Produtividade Hidroeléctrica (IPH) dum ano de referência. Esse índice depende obviamente da pluviosidade e permite quantificar o desvio entre o valor da produção hidroeléctrica verificada em dado ano e a produção que haveria em ano de regime hidroeléctrico médio. A 'marosca' está em que foram buscar para ano de referência o ano de 1977, de excepcional pluviosidade, com difícil repetição e com um IPH = 1.22, e não um ano médio.
Então, em 2008, que foi um ano de fraca pluviosidade com um IPH = 0.562, a sua produção hidroeléctrica real de 7102GWh foi corrigida, tendo-se obtido uma produção 'cozinhada' de 7102 x 1.22 / 0.562 = 15 406GWh que somada às restantes renováveis permitiu passar da percentagem de 27% para 43.3%!
Assim sendo, todos os valores oficiais estão empolados por se ter como referência um ano extremamente húmido, em vez dum ano médio! Havendo um ciclo hidroeléctrico, é evidente que se devem corrigir os valores anuais, calculando a componente estrutural de produção hidroeléctrica, ajustada do ciclo.
Para os economistas dir-lhes-ei apenas que o método usado é semelhante ao de calcular o défice estrutural das finanças públicas a partir do melhor ano do ciclo económico (aquele em que as receitas foram as maiores e as despesas as menores)... Como bem sabemos, o défice estrutural é ajustado em função do ciclo económico.
Tudo isto mostra aliás a ligeireza e a demagogia com que nos andam a vender as renováveis.
Acontece até que para empolarem a componente das renováveis, tiveram que se "encostar" à componente hídrica, justamente aquela que foi esquecida depois do demagógico episódio de Foz Côa e a partir daí só apostaram na energia eólica. Se tivéssemos, como eu tinha feito no governo, continuado a apostar na componente hídrica, a percentagem das renováveis seria hoje bem maior, sem necessitarmos da 'marosca' em apreço.
Face a um recente concerto do Tony Carreira para apoiar as renováveis, percebi o 'filme': da maneira que nos estão a vender as renováveis, não nos estão a dar energia, estão a dar-nos música!...
Luís Mira Amaral
Texto publicado na edição do Expresso de 7 de Novembro de 2009