Durante os últimos quadros comunitários de apoio os governos em colaboração com as autarquias e proprietários locais decidiram repetir no Algarve o erro cometido no século XIX e ao longo do século XX no Norte e Centro de Portugal. Com o pretexto do combate à desertificação e da recuperação da floresta, ideia bem acolhida pela população em geral, inculta no que concerne à temática, foram plantadas milhares de hectares de terras abandonadas com pinheiro-manso nos concelho de Castro Marim, Alcoutim, Tavira, Mértola ou Almodôvar.
Duas a três décadas depois, os pinheiros por lá continuam, raquíticos, uma vez que a espécie não pertence a este meio. Diziam os engenheiros florestais que a azinheira e o sobreiro não eram uma boa opção para reflorestar, pois não crescem nestes solos degradados. Ora eu não sou engenheiro florestal, mas conheço como ninguém estas serras: e poderia dar a conhecer a estes ditos engenheiros inúmeros locais onde a regeneração natural se faz sem intervenção humana, e onde azinheiras e sobreiros crescem em condições à partida inóspitas.
Presume-se que no tempo da ocupação romana a serra ainda estaria coberta por densas florestas, compostas essencialmente por carvalhos, sobreiros, azinheiras e outras espécies como o castanheiro ou o medronheiro. Contudo, provavelmente a partir da ocupação árabe, teve início um longo processo de desarborização, levado a cabo principalmente pelos pastores: e o fogo foi o seu principal aliado. Por sua vez as necessidades de madeira no litoral eram elevadas, para a produção de carvão, para os fornos de pão e de cal, ou para a produção naval. Uma vez que o sobreiro fornecia cortiça e a azinheira bolota para os animais, as primeiras árvores a desaparecer foram os carvalhos e as árvores típicas das galerias ripícolas. No século XVIII ainda havia castanheiros nas serranias do sotavento mas no final do século XX a espécie já estava confinada à serra de Monchique, onde escasseava.
Na primeira metade do século XX extensas áreas da serra foram desmatadas durante as famigeradas Campanhas do Trigo. Os mais idosos das aldeias das serras do sotavento ainda recordam os tempos em que «não havia um palmo de terra que não estivesse cultivado». Além do trigo e do centeio foram foi também desenvolvida a produção de frutos secos, amêndoas, alfarroba e figo. Esta tentativa de aproveitamento agrícola foi um desastre ecológico, agravando a erosão dos solos e a desertificação natural da serra. Foi também um erro económico. Ao contrário do que sucedia nas terras férteis das campinas de Faro, Olhão ou Luz de Tavira, na serra os solos eram delgados, secos e pouco produtivos. Foi ainda durante a primeira metade do século XX que o lobo-ibérico desapareceu das serranias algarvias. E outras espécies como o lince-ibérico ficaram à beira da extinção.
A partir dos anos 70 com a emigração e o despovoamento vem a regeneração natural e o sobreiro e a azinheira começam timidamente a ocupar algumas áreas da serra. Contudo, os grandes fogos e mais recentemente a doença do sobreiro destruíram os bosquetes formados nas últimas décadas.
Se já não bastavam os incêndios e as doenças, entretanto surgiu uma nova ameaça à serra. A monocultura de pinheiro-manso. Com uma justificação técnica altamente contestável, o pinheiro-manso foi a espécie escolhida para «reflorestar» a serra. Os proprietários aderiram muito bem a este programa de «reflorestação», afinal havia elevadas quantias de dinheiro de subsídios comunitários para receber. Foi um El Dorado para as aldeias e montes, mas um erro ambiental e económico que pagaremos bem caro nas próximas décadas. E uma vez que se aproxima um novo quadro comunitário de apoio, o fantasma da monocultura de pinheiro está de volta.
Infelizmente por falta de instrução ambiental as populações locais e até muitos «licenciados» não percebem a importância económica da floresta nativa algarvia. A castanha é um produto alimentar muito saudável que está a ser redescoberto e com elevado preço. O Algarve produzia no passado a primeira castanha que chegava aos mercados. O castanheiro poderia ser replantado nas encostas setentrionais das serras de Monchique e do Caldeirão. A cortiça verá o seu valor comercial crescer nas próximas décadas. O azinhal é o ambiente ideal para a criação sustentável de gado. As galerias ripícolas protegem os cursos de água do assoreamento, previnem cheias, regulariam caudais e algumas espécies fornecem uma madeira de elevada qualidade. As plantas aromáticas e os arbustos da serra têm um valor medicinal que está ainda por explorar. Os solos da serra são frágeis e a única alternativa viável para esta área é a floresta nativa. Não vale a pena insistir-se na exploração agrícola ou em culturas de pinheiro e de eucalipto. Em boa verdade, o povoamento humano de vastas áreas da serra algarvia é historicamente recente e vê-se agora que foi um erro. Importa sublinhar que a serra algarvia tinhas várias espécies de carvalho: Quercus robur, Quercus faginea, Quercus canariensis, Quercus marianica (há quem considere este híbrido uma espécie) e talvez Quercus pyrenaica.
Na província de Huelva, na serra de Aracena, ainda se pode observar a floresta típica das serranias do sudoeste ibérico. Os espanhóis ainda preservam um modelo económico sustentável, baseado na produção de castanha, cortiça e porco-ibérico, com alguma actividade industrial associada. A maior parte do núcleo central da serra de Huelva está ocupada com floresta nativa, e nela ainda ocorrem em abundância espécies árboreas que se encontram localmente extintas no Algarve: Quercus pyrenaica, Quercus robur, Quercus faginea ou Quercus canariensis. Conservo em casa um ramo de Quercus robur estremadurensis que colhi na estrada que liga Almonaster a Aracena. Sim, houve alvarinho nas serras algarvias, e ainda há nas serras andaluzas, onde a espécie ocorre perto das linhas de água.
Para recuperar a vegetação das serras algarvias não é necessário despejar milhões de euros de dinheiro dos contribuintes. Basta instruir as populações locais e auxiliar a natureza no seu trabalho. Por exemplo, as lavouras não deveriam ser permitidas pois são as responsáveis pela disseminação da doença do sobreiro. Todos os anos as populações locais deveriam fazer a colheita manual de bolotas para depois espalhá-las pela serra em áreas desprovidas de vegetação arbórea. A remoção dos caniçais que ladeiam os cursos de água é fundamental, pois a cana, além de ser uma infestante, compete com a vegetação ripícola nativa. No futuro o gado deveria voltar a algumas áreas da serra, pois ajuda a controlar o crescimento dos matos e assim previne a ocorrência de fogos. No entanto, este regresso tem se ser bem pensado, para não prejudicar a regeneração do estrato arbóreo. É uma pena que no Algarve poucos pensem assim. A miséria material que resultará da continuação dos fogos, da cultura de cereais, da monocultura de pinheiro e de eucalipto e de outros erros ambientais e económicos não terá para já fim nas próximas décadas.
Duas a três décadas depois, os pinheiros por lá continuam, raquíticos, uma vez que a espécie não pertence a este meio. Diziam os engenheiros florestais que a azinheira e o sobreiro não eram uma boa opção para reflorestar, pois não crescem nestes solos degradados. Ora eu não sou engenheiro florestal, mas conheço como ninguém estas serras: e poderia dar a conhecer a estes ditos engenheiros inúmeros locais onde a regeneração natural se faz sem intervenção humana, e onde azinheiras e sobreiros crescem em condições à partida inóspitas.
Presume-se que no tempo da ocupação romana a serra ainda estaria coberta por densas florestas, compostas essencialmente por carvalhos, sobreiros, azinheiras e outras espécies como o castanheiro ou o medronheiro. Contudo, provavelmente a partir da ocupação árabe, teve início um longo processo de desarborização, levado a cabo principalmente pelos pastores: e o fogo foi o seu principal aliado. Por sua vez as necessidades de madeira no litoral eram elevadas, para a produção de carvão, para os fornos de pão e de cal, ou para a produção naval. Uma vez que o sobreiro fornecia cortiça e a azinheira bolota para os animais, as primeiras árvores a desaparecer foram os carvalhos e as árvores típicas das galerias ripícolas. No século XVIII ainda havia castanheiros nas serranias do sotavento mas no final do século XX a espécie já estava confinada à serra de Monchique, onde escasseava.
Na primeira metade do século XX extensas áreas da serra foram desmatadas durante as famigeradas Campanhas do Trigo. Os mais idosos das aldeias das serras do sotavento ainda recordam os tempos em que «não havia um palmo de terra que não estivesse cultivado». Além do trigo e do centeio foram foi também desenvolvida a produção de frutos secos, amêndoas, alfarroba e figo. Esta tentativa de aproveitamento agrícola foi um desastre ecológico, agravando a erosão dos solos e a desertificação natural da serra. Foi também um erro económico. Ao contrário do que sucedia nas terras férteis das campinas de Faro, Olhão ou Luz de Tavira, na serra os solos eram delgados, secos e pouco produtivos. Foi ainda durante a primeira metade do século XX que o lobo-ibérico desapareceu das serranias algarvias. E outras espécies como o lince-ibérico ficaram à beira da extinção.
A partir dos anos 70 com a emigração e o despovoamento vem a regeneração natural e o sobreiro e a azinheira começam timidamente a ocupar algumas áreas da serra. Contudo, os grandes fogos e mais recentemente a doença do sobreiro destruíram os bosquetes formados nas últimas décadas.
Se já não bastavam os incêndios e as doenças, entretanto surgiu uma nova ameaça à serra. A monocultura de pinheiro-manso. Com uma justificação técnica altamente contestável, o pinheiro-manso foi a espécie escolhida para «reflorestar» a serra. Os proprietários aderiram muito bem a este programa de «reflorestação», afinal havia elevadas quantias de dinheiro de subsídios comunitários para receber. Foi um El Dorado para as aldeias e montes, mas um erro ambiental e económico que pagaremos bem caro nas próximas décadas. E uma vez que se aproxima um novo quadro comunitário de apoio, o fantasma da monocultura de pinheiro está de volta.
Infelizmente por falta de instrução ambiental as populações locais e até muitos «licenciados» não percebem a importância económica da floresta nativa algarvia. A castanha é um produto alimentar muito saudável que está a ser redescoberto e com elevado preço. O Algarve produzia no passado a primeira castanha que chegava aos mercados. O castanheiro poderia ser replantado nas encostas setentrionais das serras de Monchique e do Caldeirão. A cortiça verá o seu valor comercial crescer nas próximas décadas. O azinhal é o ambiente ideal para a criação sustentável de gado. As galerias ripícolas protegem os cursos de água do assoreamento, previnem cheias, regulariam caudais e algumas espécies fornecem uma madeira de elevada qualidade. As plantas aromáticas e os arbustos da serra têm um valor medicinal que está ainda por explorar. Os solos da serra são frágeis e a única alternativa viável para esta área é a floresta nativa. Não vale a pena insistir-se na exploração agrícola ou em culturas de pinheiro e de eucalipto. Em boa verdade, o povoamento humano de vastas áreas da serra algarvia é historicamente recente e vê-se agora que foi um erro. Importa sublinhar que a serra algarvia tinhas várias espécies de carvalho: Quercus robur, Quercus faginea, Quercus canariensis, Quercus marianica (há quem considere este híbrido uma espécie) e talvez Quercus pyrenaica.
Na província de Huelva, na serra de Aracena, ainda se pode observar a floresta típica das serranias do sudoeste ibérico. Os espanhóis ainda preservam um modelo económico sustentável, baseado na produção de castanha, cortiça e porco-ibérico, com alguma actividade industrial associada. A maior parte do núcleo central da serra de Huelva está ocupada com floresta nativa, e nela ainda ocorrem em abundância espécies árboreas que se encontram localmente extintas no Algarve: Quercus pyrenaica, Quercus robur, Quercus faginea ou Quercus canariensis. Conservo em casa um ramo de Quercus robur estremadurensis que colhi na estrada que liga Almonaster a Aracena. Sim, houve alvarinho nas serras algarvias, e ainda há nas serras andaluzas, onde a espécie ocorre perto das linhas de água.
Para recuperar a vegetação das serras algarvias não é necessário despejar milhões de euros de dinheiro dos contribuintes. Basta instruir as populações locais e auxiliar a natureza no seu trabalho. Por exemplo, as lavouras não deveriam ser permitidas pois são as responsáveis pela disseminação da doença do sobreiro. Todos os anos as populações locais deveriam fazer a colheita manual de bolotas para depois espalhá-las pela serra em áreas desprovidas de vegetação arbórea. A remoção dos caniçais que ladeiam os cursos de água é fundamental, pois a cana, além de ser uma infestante, compete com a vegetação ripícola nativa. No futuro o gado deveria voltar a algumas áreas da serra, pois ajuda a controlar o crescimento dos matos e assim previne a ocorrência de fogos. No entanto, este regresso tem se ser bem pensado, para não prejudicar a regeneração do estrato arbóreo. É uma pena que no Algarve poucos pensem assim. A miséria material que resultará da continuação dos fogos, da cultura de cereais, da monocultura de pinheiro e de eucalipto e de outros erros ambientais e económicos não terá para já fim nas próximas décadas.