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José M. Sousa

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16 Mai 2008
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O Aquecimento Global 20 anos mais tarde: a aproximação dos pontos de viragem


James Hansen1​


A minha apresentação de hoje é feita exactamente 20 anos após o meu depoimento perante o Congresso em 23 de Junho de 1988, no qual alertei o público para que o aquecimento global estava em curso. Existem semelhanças claras entre hoje e então, mas uma grande diferença.


Uma grande divergência continua a persistir entre aquilo que é compreendido sobre o aquecimento global pela comunidade científica relevante e aquilo que é conhecido pelos decisores políticos e o público. Agora, como então, uma franca avaliação dos dados científicos geram conclusões que chocam o corpo político. Agora, como então, posso afirmar que estas conclusões têm uma certeza que excede os 99%.

A diferença é que agora esgotámos o tempo que tínhamos para agir no sentido de desarmadilhar a bomba relógio do aquecimento global. O próximo Presidente e Congresso têm que definir no ano que vem um rumo no qual os EUA exerçam uma liderança correspondente à sua responsabilidade pela presente situação perigosa.

Caso contrário, tornar-se-à impraticável limitar o dióxido de carbono na atmosfera - o gás com efeito de estufa produzido pela queima de combustíveis fósseis - para um nível que impeça o sistema climático de ultrapassar pontos de viragem que conduzam a alterações climáticas desastrosas numa espiral dinâmica que fuja ao controlo da Humanidade.

As mudanças necessárias para preservar a Criação, o planeta onde a Civilização se desenvolveu, são claras. Mas as mudanças têm sido bloqueadas por interesses especiais, concentrados nos lucros de curto prazo, que mantém reféns Washington e outras capitais.

Sustento que um trajecto que proporcione independência energética e um ambiente mais são, ainda é, no limite, possível. Exige uma mudança de direcção transformadora em Washington para o próximo ano.


Em 23 de Junho de 1988 testemunhei numa comissão, presidida pelo Senador Tim Wirth do Colorado, que a Terra tinha entrado numa tendência de aquecimento de longo longo prazo e que os gases de efeito de estufa produzidos pela actividade humana seriam os responsáveis por essa situação com grande grau de certeza. Fiz notar que o aquecimento global acelerava ambos os extremos do ciclo da água, significando secas e fogos florestais mais severos, de um lado, mas também chuvas e inundações mais fortes.

O meu depoimento há duas décadas foi recebido com cepticismo. Mas ao passo que o cepticismo é o “sangue da vida” da ciência, pode confundir o público. À medida que os cientistas avaliam um assunto de todas as perspectivas, pode dar a impressão que nada é sabido com confiança. Mas desse estudo de mente aberta dos dados, é possível retirar conclusões válidas.

As minhas conclusões em 1988 foram baseadas num alargado conjunto de dados vindos da física básica, de estudos planetários, observações de mudanças em curso, e de modelos climáticos. As provas eram suficientemente robustas que pude dizer que era tempo de parar com a “conversa fiada”. Estava seguro que, com o tempo, a comunidade científica chegaria a um consenso semelhante, como aconteceu.

Enquanto que o reconhecimento internacional do aquecimento global foi rápido, a acção vacilou. Os EUA recusaram colocar limites às suas emissões, e os países em desenvolvimento como a China e a Índia aumentaram rapidamente as suas emissões.


O que está em jogo? O aquecimento até à data, cerca de 2 graus Fahrenheit sobre a superfície terrestre, parece quase inócuo, sendo menor que as flutuações diárias do tempo. Mas mais aquecimento já está para vir (“in-the-pipeline”), adiado apenas pela grande inércia dos oceanos. E o clima está a aproximar-se de pontos de viragem perigosos. Elementos para uma “tempestade perfeita”, um cataclismo global, estão a aglomerar-se.


O Clima pode atingir pontos tais que efeitos de retroacção (“feedbacks”) amplificadores podem desencadear grandes mudanças rápidas. O gelo do oceano Árctico é um exemplo actual. O aquecimento global iniciou o derretimento do gelo marinho, expondo um oceano mais escuro que absorve mais luz solar derretendo ainda mais gelo. Como resultado, sem mais gases adicionais com efeito de estufa, o Árctico ficará brevemente sem gelo no Verão.

Mais pontos de viragem nefastos se avolumam no horizonte. Os lençóis de gelo da Antárctica Ocidental e da Gronelândia são vulneráveis até a um pequeno aquecimento adicional. Estes gigantes poderosos com duas milhas de espessura respondem inicialmente de forma lenta, mas se a desintegração ganhar impulso ela tornar-se-à imparável. O debate entre os cientistas é apenas sobre quanto subirá o nível do mar numa determinada data. Na minha opinião, se as emissões seguirem um cenário de “business-as-usual”, um aumento do nível do mar de pelo menos 2 metros é provável neste século. Centenas de milhões de pessoas tornar-se-iam refugiados. Não seria possível reestabelecer uma linha costeira estável num quadro temporal que a Humanidade possa conceber.

As espécies vegetais e animais estão já sob “stress” devido à mudança climática. As espécies polares e alpinas serão exterminadas, se o aquecimento continuar. Outras espécies tentam migrar, mas à medida que algumas se extinguem, a sua interdependência pode causar o colapso do ecossistema. Extinções em massa, de mais de metade das espécies do planeta, ocorreram várias vezes quando a Terra aqueceu tanto quanto é esperado se os gases com efeito de estufa continuarem a aumentar. A biodiversidade recuperou, mas precisou de centenas de milhares de anos.

A perturbante conclusão, documentada num “paper” (artigo científico) que escrevi com vários dos melhores peritos mundiais sobre clima, é que o nível seguro de dióxido de carbono na atmosfera é não mais do que 350 ppm (partes por milhão), e pode até ser menor. O nivel de dióxido de carbono é já de 385 ppm e aumenta cerca de 2 ppm por ano. Corolário chocante: o objectivo frequentemente citado de manter o aquecimento global em menos de 2º Celsius (3.6 graus Fahrenheit) é uma receita para o desastre global, não para a salvação.

Estas conclusões são baseadas em dados da paleoclimatologia que mostram como a Terra respondeu aos níveis de gases com efeito de estufa do passado e em observações que mostram como o mundo está a reagir aos níveis de dióxido de carbono actuais. As consequências do contínuo aumento dos gases com efeito de estufa estendem-se muito para além do extermínio de espécies e do aumento futuro do nível do mar.

Zonas climáticas áridas subtropicais estão a expandir-se em direcção aos pólos. Já ocorreu uma expansão média de cerca de 250 milhas, afectando o sul dos EUA, a região Mediterrânica, a Austrália e a África austral. Fogos florestais e secagem de lagos aumentarão ainda mais a não ser que o crescimento do dióxido de carbono cesse e seja revertido.

Os glaciares de montanha são fonte de água doce para centenas de milhões de pessoas. Estes glaciares estão a recuar em todo o mundo, nos Himalaias, nos Andes e nas Montanhas Rochosas. Desaparecerão, deixando os rios como fios de água no fim do Verão e Outuno, a menos que o crescimento do dióxido de carbono seja invertido.

Os recifes de coral, a floresta tropical dos oceanos, são abrigo para um terço das espécies no mar. Os recifes de coral estão sob “stress” por várias razões, incluindo o aquecimento dos oceanos, mas sobretudo devido à acidificação dos oceanos, um efeito directo da adição de dióxido de carbono. A vida oceânica dependente de conchas e esqueletos de carbonato está ameaçada pela dissolução à medida que o oceano se torna mais ácido.

Tais fenómenos, incluindo a instabilidade do gelo do oceano Árctico e dos grandes lençóis de gelo em reacção aos actuais níveis de dióxido de carbono , mostram que já fomos longe de mais. Temos que baixar o dióxido de carbono presente na atmosfera para preservar o planeta tal como o conhecemos. Um nível de não mais que 350 ppm é ainda possível com a ajuda da reflorestação e práticas agrícolas melhoradas, mas já estamos no limite – o tempo escasseia.


A necessidade de conter o crescimento do dióxido de carbono deriva da dimensão dos reservatórios de carbono fóssil. O carvão supera o petróleo e o gás. O abandono da utilização do carvão, excepto quando seja possível capturar o carbono e armazená-lo no subsolo, é o principal requisito para resolver o aquecimento global.

O petróleo é utilizado em veículos onde é impraticável capturar o carbono. Mas o petróleo está a escassear. Para preservar o nosso planeta temos também que nos assegurar que a próxima fonte de energia móvel não seja obtida através da extracção de petróleo a partir de carvão, areias betuminosas ou outros combustíveis fósseis.

Os reservatórios de combustíveis fósseis são finitos, o que é a principal razão porque os preços estão a subir. Mais cedo ou mais tarde, teremos que abandonar os combustíveis fósseis. A solução para o problema climático exige que nos desloquemos rapidamente em direcção a uma energia livre de carbono.

Interesses especiais têm bloqueado a transição para um futuro de energia renovável. Em vez de se moverem com determinação na direcção das energias renováveis, as empresas ligadas às energias fósseis preferem espalhar a dúvida sobre o aquecimento global, tal como as tabaqueiras tentaram desacreditar a relação entre o tabaco e o cancro do pulmão. Os métodos são sofisticados, incluindo financiamento para ajudar a formatar a discussão sobre aquecimento global nos manuais escolares.

Os administradores das companhias de energia fóssil sabem o que estão a fazer e estão cientes das consequências a longo prazo de se continuar a fazer negócios como de costume (“business-as-usual”). Na minha opinião, estes administradores deveriam ser julgados por altos crimes contra a Humanidade e a Natureza.

A condenação dos administradores da ExxonMobil e da Peabody Coal não serão consolação nenhuma, se passarmos um clima descontrolado às nossas crianças. A Humanidade seria empobrecida pelos efeitos devastadores de contínuas alterações da linha costeira e intensificação dos extremos climáticos regionais. A perda de incontáveis espécies deixaria um planeta mais desolador.

Se os políticos continuarem a discordar, os cidadãos terão que liderar. Temos que exigir uma moratória sobre a construção de novas centrais eléctricas a carvão. Temos que anular os interesses dos combustíveis fósseis que pretendem espremer até à última gota o petróleo existente em terras públicas, no “off-shore”, e nas áreas de natureza selvagem. Essas últimas gotas não são a solução. Geram continuados lucros exorbitantes para uma indústria míope e interesseira, mas não constituem alívio para o nosso vício nem uma solução energética de longo prazo.


Passarmos dos combustíveis fósseis para as energias limpas é um desafio, no entanto trará transformações em muitos sentidos bem-vindas. Combustíveis fósseis baratos e subsidiados engendram maus hábitos. Importamos comida do outro lado do mundo, por exemplo, mesmo quando produtos mais saudáveis estão disponíveis em campos próximos. A produção local seria competitiva não fossem os subsídios aos combustíveis fósseis e o facto de que os estragos e custos das alterações climáticas, devidas aos combustíveis fósseis, são também suportados pelo público.

A fixação de um preço sobre as emissões que causam estragos é essencial. Sim, um imposto sobre o carbono. Um imposto sobre o carbono com um dividendo a 100% é necessário para nos livrarmos do nosso vício nos combustíveis fósseis. O imposto e dividendo permite ao mercado, não aos políticos, decidir opções de investimento.

Um imposto sobre o carbono aplicado ao carvão, petróleo e gás é simples, aplicado no primeiro ponto de venda ou porto de entrada. A integralidade da receita do imposto deve ser devolvida ao público, um montante igual para cada adulto, metade para as crianças. Este dividendo poderia ser depositado mensalmente numa conta bancária individual.

Um imposto sobre o carbono com 100% de dividendo não seria regressivo. Pelo contrário, poderiamos apostar que as pessoas das classes média e baixa encontrariam formas de limitar o imposto a pagar reduzindo as emissões de carbono e colocar-se-iam em vantagem. Os utilizadores de energia dissipadores terão que pagar pelos seus excessos.

A procura por produtos de baixo-carbono e altamente eficientes estimulará a inovação, tornando os nossos produtos mais competitivos nos mercados internacionais. As emissões de carbono reduzir-se-ão à medida que a eficiência energética e as energias renováveis crescerem rapidamente. Cinza, mercúrio e outras emissões de energias fósseis cairão. Um futuro mais limpo, com independência energética, é possível.


Washington gosta de gastar o dinheiro dos contribuintes linha por linha. Chusmas de “lobbistas” muito bem pagos, em “sapatos de crocodilo”, “ajudam” o Congresso a decidir onde gastar, e por sua vez os clientes dos “lobbistas” providenciam dinheiro para “campanhas”.

O público tem que enviar uma mensagem a Washington. Preservem o nosso planeta, a Criação, para os nossos filhos e netos, mas não utilizem isso como desculpa para cobrarem mais impostos. Que o nosso lema seja: “100% de dividendo ou luta!”

O próximo Presidente tem que fazer do desenvolvimento de uma rede eléctrica nacional eficiente um imperativo. Permitirá às energias renováveis dispersas suplantar as energias fósseis na geração de electricidade. A tecnologia existe para linhas de transmissão enterradas de corrente directa (direct-current) de alta voltagem. Linhas principais podem ser completadas em menos de uma década e expandidas analogamente às estradas interestaduais

O Governo deve também alterar as regulamentações do sector de modo que os lucros não dependam de vendas sempre crescentes de energia, mas em vez disso dependam de aumentos de eficiência. Requisitos sobre o código de construção de edifícios e eficiência dos veículos têm que ser melhorados e colocados numa via em direcção à neutralidade em termos de emissões.

A indústria dos fósseis mantém Washington dominada por via de demagogia, usando a China e outras nações em desenvolvimento como bodes expiatórios para racionalizarem a inacção. Na realidade, nós produzimos a maior parte do carbono em excesso no ar de hoje, e é do nosso interesse enquanto nação de nos movermos inteligentemente no desenvolvimento de formas de reduzirmos as emissões. Tal como com o problema do ozono, os países em desenvolvimento podem beneficiar de um tempo extra limitado para reduzirem as emissões. Eles cooperarão: têm muito a perder com as alterações climáticas e muito a ganhar com um ar limpo e uma dependência reduzida em relação aos combustíveis fósseis.

Temos que estabelecer acordos justos com outros países. Contudo, o nosso próprio imposto e dividendo deve avançar de imediato. Temos muito a ganhar com isso enquanto nação, e outros países imitarão o nosso sucesso. Se necessário, deverão ser cobradas taxas alfandegárias sobre os produtos provenientes de países não cooperantes de modo a colocá-los em igualdade de circunstâncias, com a receita dessas taxas a reverter para a colecta do dividendo a distribuir pelas famílias.

A democracia funciona, mas às vezes avança devagar. O tempo é curto. A eleição de 2008 é crítica para o planeta. Se os Americanos mandarem pastar os congressistas mais brontossauros, se Washington se adaptar para enfrentar as alterações climáticas, os nossos filhos e netos poderão ainda alimentar grandes expectativas.


1 O Doutor James E. Hansen, físico de formação, dirige o Instituto Goddard de Estudos Espaciais da NASA, um laboratório do Centro Goddard para Vôos Espacias e uma unidade do Instituto da Terra do Universidade de Columbia, mas fala hoje na qualidade de cidadão no National Press Club [...]

Mais aqui:
http://futureatrisk.blogspot.com/2008/06/depoimento-de-james-hansen-ao-congresso.html
 


José M. Sousa

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