Olá a todos
Tenho ouvido falar nesta depressão que se forma com alguma frequência entre o Algarve e a Madeira, principalmente no Outono. É esta depressão que pode dar origem às grandes trovoadas na Madeira (das quais existem, aqui, fotografias excelentes) e também na parte sul do Continente (a sul da linha Montejunto-Estrela, mas mais notório no Algarve. Mais a norte pode dar origem a nevões nas serranias). Segundo me parece, esta depressão tem andado um tanto 'fugida' estes últimos tempos. Será que a vamos ter com mais frequência neste Outono?
Olá Relâmpago, mais uma pergunta interessante
Vou responder com aquilo que é a minha ideia sobre o assunto, mas que pode estar eventualmente errada ou pelo menos não correcta totalmente, pois também são coisas que tenho tentado aprender aos poucos. Como sempre, quem discordar, tenha outra opinião ou queira acrescentar algo, que participe também no tópico que estamos cá todos para aprender.
Penso que há vários tipos de situações distintas:
- As depressões nos niveis altos da Troposfera (ULL-Upper level Low) que quando completamente isoladas (COL-cutoff low) e intensas são chamadas por cá de gotas frias
- As depressões resultantes da interacção das circulações polar e tropical
- Qualquer das situações anteriores a interagir com uma depressão à superficie existente, associada ou não a uma massa de ar subtropical/tropical quente e humido.
Quer umas quer outras são depressões fortemente convectivas (por oposição às superficies frontais associadas às outras depressões) devido à invasão de ar frio em altitude provocando um forte gradiente vertical da temperatura favorecendo a convecção.
As primeiras não tem estado ausentes, temos falado bastante delas nas últimas semanas, e é precisamente quando se instalam no SW que costumam provocar maior instabilidade como aconteceu nas últimas 2 ou 3 sessões de trovoadas cá em Portugal (
10-16 Setembro e
20 de Setembro)
Nós temos este tipo de depressões ao longo do ano, mas é no Outono que elas se tornam mais virulentas pois o ar nos niveis altos é cada vez mais frio que nesta altura do ano encontra ainda nos niveis baixos e médios bastante calor e humidade, não só em Terra, mas sobretudo porque a temperatura da água do mar no Outono é ainda elevada. Por exemplo a última depressão nos niveis altos da última trovoada, ela cá não provocou nada de especial mas quando evolui para Leste e interagiu com a água mais quente do Mediterrâneo, provocou alguns eventos extremos no sul e leste de Espanha. É precisamente no Mediterrâneo que elas são muito mais perigosas do que cá.
É também no Outono que há maior interacção das circulações polar e tropical devido ao enfraquecimento do AA, favorecendo estas invasões de ar frio em altura, quer isoladas em altura, quer reflectidas em todas os niveis, quer em vale depressionário e frio em altura, que quanto mais para sul penetra, mais perigoso se pode tornar. Os eventos mais extremos, responsáveis por algumas das piores flash floods em Portugal estão quase sempre relacionadas com algum tipo de incursão deste género quando associadas a advecções de ar quente subtropical/tropical, mas a sinóptica costuma por vezes ser complexa, com a conjugação de vários factores, por isso é que são raras por cá, felizmente.
Já agora, nestes dias temos na Madeira precisamente uma dessas depressões nos niveis altos, e também tivemos há uns dias atrás os restos duma massa de ar tropical.
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Só que a bolha de ar frio associada a esta depressão é muito fraca e pouco fria. Provavelmente numa situação destas daqui a umas semanas teriamos uma incursão de ar mais frio que provocaria muito mais convecção do que a que está a ocorrer.
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Mas mesmo sendo bastante fraca, ontem ainda gerou algumas células entre a Madeira e as Canárias. (já agora, offtopic, nesta imagem podes ver os torreões/overshooting tops que falámos no outro dia)
Ontem, 10:00
Quais são as características desta depressão? Não me parece que pertença à família das depressões polares ligadas ao sistema das fortes ondulações de W.
Tem mais características de uma depressão tropical, com ausência de sistemas frontais.
Não, na minha opinião, não podiam ser mais diferentes:
- A ULL é fria, a DT (depressão tropical) é quente.
- A ULL começa por ter circulação em altura, a DT começa por ter à superfice (depois em altura até tem anti-ciclonica)
- A ULL reflecte-se de cima para baixo, e a DT de baixo para cima.
Uma e outra são geralmente incompativeis, as ULL's costumam destruir os ciclones tropicais, anda recentemente tivemos o caso da
Tempestade Tropical INGRID aniquilada por uma ULL.
Mas, e penso que venha daí a tua pergunta, há situações onde uma ULL (ou um vale depressionário e frio nos niveis altos) favorece a ciclogenese tropical ou subtropical. Numa fase inicial, em que existe uma depressão com circulação em superficie, o frio nos niveis altos e o windshear q.b. induzido por uma ULL não muito forte pode ajudar a fazer disparar a convecção numa depressão pré-existente à superficie, fazendo com que a pressão desta baixe e inicie a ciclogenese, por vezes explosiva (quan Ado essa depressão existente está embutida numa massa de ar tropical por exemplo). A mesma coisa é válida para os restos duma depressão tropical (como um ex.furacão por ex.) dissipada ou em dissipação.
Mas numa situação de depressão já totalmente tropical, o mesmo windshear que pode ajudar numa fase inicial, geralmente é fatal à evolução normal e intensificação dum ciclone tropical, ou pelo menos, prejudica a sua intensificação, conforme a intensidade e localização de uma e outra.
Mas nestes casos não é a ULL que é parecida com a depressão tropical, é a depressão à superficie ou a massa de ar associada que tem algumas caracteristicas tropicais ou hibridas. O frio nos niveis altos só serviu de ignição. Por isso é que há sempre algum risco quando os restos duma depressão tropical se encontra com uma ULL ou um vale depressionário muito intenso e frio nos niveis altos).
Mas volto a repetir, isto é apenas a ideia que eu tenho, e pode não ser a mais correcta. Ainda há muitas zonas cinzentas que eu ainda não compreendo muito bem