As barragens são uma resposta à alteração climática
02.12.2007, Ricardo Garcia (PÚBLICO) e José Pedro Frazão (Rádio Renascença)
O ministro do Ambiente garante que Portugal vai cumprir Quioto e diz que construir mais barragens é uma aposta certa para o futuro
Amanhã começa uma conferência das Nações Unidas, em Bali, que vai tentar traçar um roteiro para as negociações de um novo acordo para as alterações climáticas. O ministro português do Ambiente, Francisco Nunes Correia, vai ser o rosto da União Europeia na reunião. Internamente, Nunes Correia está confiante nas medidas que o Governo determinou para limitar as emissões nacionais de gases que alteram o clima.
Tem afirmado que Portugal vai cumprir o Protocolo de Quioto. O que o faz estar tão confiante?
Eu tenho afirmado, e continuo a afirmar, que Portugal vai cumprir o Protocolo de Quioto. Tenho dito também, porque não vale a pena ignorá-lo, que esse cumprimento vai ser em parte conseguido à custa das chamadas medidas de flexibilidade de Quioto. O Fundo Português de Carbono vem trazer meios para permitir suprir aquilo que por outra via não pode ser conseguido.
Isto é como querer reduzir o défice com medidas extraordinárias...
Essa sua afirmação seria pertinente se não estivéssemos a fazer um enorme esforço para reduzir as nossas emissões [de gases com efeito de estufa]. E aí está o PNAC [Programa Nacional para as Alterações Climáticas] e aí está o pós-2012 [data em que findam os compromissos de Quioto].
Mas o que o faz estar tão seguro de que o PNAC vai ser cumprido na íntegra?
Na hora da verdade, cada ministério tem de falar por si. O PNAC é um programa do Governo, não do meu ministério. Todo esse processo é conduzido por uma comissão interministerial, há um compromisso de todos. O PNAC está estruturado em torno de 41 medidas. Cada uma tem de ter o seu plano de execução. Vai haver uma monitorização publicada na Internet do seu grau de cumprimento. Há uma visibilidade pública que a todos compromete e a todos obriga a ter um sentido de responsabilidade face a isso. Se Portugal não conseguir reduzir as emissões tanto quanto o desejável, vai conseguir [fazê-lo] noutras partes do mundo. Mas atenção às medidas do pós-Quioto. O plano nacional de barragens de elevado potencial hidroeléctrico tem por objectivo dar um contributo para o pós-Quioto.
Demorámos 40 anos a fazer uma grande barragem, Alqueva. Está muito confiante em relação às barragens novas...
Há uma diferença que é importante. Quem vai fazer essas barragens não é o Estado. Vão ser investidores privados. E estamos a falar de qualquer coisa que pode chegar aos dois mil milhões de euros de investimento privado. O investimento privado não quer levar 40 anos. Essas barragens podem ser feitas em dois, três, quatro, cinco anos.
No futuro, Portugal vai ser possivelmente mais afectado por secas. Não é um contra-senso estar a apostar em barragens, que precisam de água?
Pelo contrário. A percepção global, por parte dos especialistas na matéria, é a de que [haverá] um regime de maior incerteza climática, onde pode haver mais secas, e mais frequentes, mas intercaladas por períodos de grande pluviosidade. Criar reservas de armazenamento de água é a primeira resposta a isso. É claro que havendo mais secas, mais temperatura, há mais evapotranspiração, também há maiores perdas.
E há menos produção de electricidade...
Mas a questão essencial não é essa. É o extremar do clima. Há mais secas e há mais cheias. As barragens são justamente a resposta à irregularidade do clima. As barragens são uma resposta à alteração climática.
Na área dos transportes, está satisfeito com o que tem sido feito?
A nível dos transportes, em Portugal como em toda a Europa, há muito que fazer. Mas há muito que está a ser feito. Quando se está a apostar em sistemas de transportes públicos, quando se constrói o metro no Porto, quando está em desenvolvimento o metro de Coimbra, quando se está a fazer o metro de Almada.
Como é que a União Europeia vai convencer os norte-americanos a entrar no jogo pós-Quioto?
Os norte-americanos ainda hoje são um razoável enigma no que diz respeito a Bali. A verdade é que durante muitos anos não quiseram falar de Quioto, nem sequer de alterações climáticas. [Agora] há efectivamente uma mudança. Os Estados Unidos foram obrigados a reconhecer, até por imenso isolamento internacional, e também pela política interna, que há um problema, que têm de dar respostas, têm de alguma maneira de participar neste processo. Até que ponto querem ir, ainda é um mistério.
O que faz pessoalmente como contribuição para controlar o aquecimento global?
É sempre uma boa pergunta para se fazer a um político. Aprendi com o meu velho chefe, há muitos anos atrás, no departamento de hidráulica no LNEC, a ter um hábito que é apagar sempre as luzes por onde passo. É um pequeno gesto do dia-a-dia a que o cidadão não dá importância. Se dez milhões de portugueses fizerem isso, dá-se um passo em frente muito grande.
Anda de transportes públicos?
Ando bastante de transportes públicos. Nesta vida pública, isso é mais difícil, por razões evidentes. Mas na minha vida pessoal e privada ando muito de transportes públicos. Neste momento estou a avaliar a possibilidade de colocar painéis solares em casa.
Podia ter um carro híbrido...
Neste momento não tenho carro, só ando com o carro oficial. Mas é uma hipótese que considero.
Tem-se ouvido cada vez mais o seu nome na lista de uma eventual remodelação. Revê-se nisso?
Há 16 ministros e os 16 são remodeláveis. E a remodelação de qualquer um dos 16 ministros não é propriamente a condenação ao inferno. Nem sequer é um atestado de menos mérito.