Este ano as férias de verão foram passadas na Ex-Jugoslávia, mais concretamente na Bósnia-Herzegovina e em Montenegro, com final em Dubrovnik na Croácia. A escolha recaiu sobre estes dois países devido a motivos económicos (muito mais baratos que os vizinhos Croácia e Eslovénia) e por serem dois países (ainda) pouco procurados pelo turismo de massas.
Parti de Lisboa para Sarajevo pela Lufthansa (via Munique), tendo ficado por quatro noites nessa cidade que serviu de base para visitas a Srebrenica, Jajce e Travnik. Daí parti para Mostar onde estive duas noites, seguidas de quatro noites em Kotor, Montenegro, que também serviu de base para visitar várias cidades montenegrinas. Por fim, duas noites em Dubrovnik, na Croácia, para visitar esta fabulosa cidade e de onde parti para Lisboa, de novo pela Lufthansa com escala em Munique (maior do que o previsto, uma vez que o voo de Dubrovnik atrasou-se e perdi a ligação – tive que vir hora e meia mais tarde com a TAP).
BÓSNIA-HERZEGOVINA
A História recente da Bósnia-Herzegovina está indelevelmente marcada pelo conflito que durou entre 1992 e 1995. As marcas físicas persistem um pouco por todo o território, mas são as marcas psicológicas, os ódios e a ideia de ter ficado tudo pouco definido, as principais ameaças ao futuro deste país.
Antes disso, o Reino da Bósnia sempre teve uma História conturbada, com diversos conflitos e diversas potências colonizadoras, o que lhe confere uma notável diversidade étnica e religiosa. Durante a Idade Média foi um “protectorado” húngaro, tendo sido conquistado pelos Otomanos no Século XV. No Século XIX passou para as mãos do Império Austro-Húngaro, contrariando o interesse sérvio em incluir a Bósnia numa grande Sérvia, e que mais tarde levou ao atentado cometido contra o herdeiro da coroa Austro-Húngara, acontecimento que desencadeou a série de equívocos que originou a I Guerra Mundial. Após a Guerra Mundial a Bósnia foi incluída na Jugoslávia.
Durante a II Guerra Mundial a Bósnia lutou ao lado dos Croatas a favor da Alemanha, tendo sido derrotada pelos Partizans sérvios, o que fragilizou a posição da população bósnia no interior da Jugoslávia. Após a WWII Josip Broz Tito tornou-se Presidente da Jugoslávia, e apesar de ser Comunista pertenceu sempre ao grupo dos “não-alinhados” durante a Guerra Fria, o que chateou a URSS, mas permitiu uma maior abertura ao Ocidente, tendo a Jugoslávia sido dos países mais prósperos durante esse período. Tito conseguiu igualmente unir todos os povos constituintes da Jugoslávia, anulando os movimentos nacionalistas. Actualmente, na maioria dos países da ex-Jugoslávia paira no ar um sentimento, apelidado por vários autores de “Titostalgie”, a população tem saudades do tempo de prosperidade e paz que Tito lhes proporcionou.
(Camisola com foto de Tito e com a inscrição “Sem Josip os ladrões multiplicam-se”)
(“Viva Tito” num apeadeiro de Caminho de Ferro)
Após a queda de Tito, os vários nacionalismos renasceram, principalmente após a chegada de Milosevic ao poder, que apoiou e muito a causa nacionalista sérvia, relegando as outras facções para papéis secundários, o que, com a ajuda de uma crise económica começou a precipitar o fim da Jugoslávia. Na Bósnia, várias pessoas disseram que Milosevic foi colocado pela CIA na presidência para destruir a Jugoslávia.
O primeiro país a declarar unilateralmente a independência foi a Eslovénia, tendo-se seguido uma curta guerra que durou 10 dias, após os quais se chegou a um acordo entre as partes a favor da independência, uma vez que ao lado, a Croácia preparava-se para fazer o mesmo. Neste caso, o exército jugoslavo, controlado maioritariamente por sérvios, reagiu mais energicamente (provavelmente resquícios da WWII) e iniciou uma guerra que durou cerca de um ano. A resistência das forças croatas, principalmente em Vukovar e Dubrovnik, foi fundamental para a manutenção das fronteiras croatas.
Cerca de um ano depois é a vez da Bósnia, que sempre se mantivera neutra no conflito servo-croata, declarar a independência. Neste caso seria bem mais complicado, uma vez que cerca de um terço dos bósnios são de origem sérvia, havendo igualmente uma minoria relevante de croatas. Estavam criadas as condições para um largo conflito tripartido, com grandes voltas e reviravoltas (inicialmente os croatas lutaram a favor dos sérvios, para posteriormente se aliarem aos bósnios), que durou quase 4 anos, terminando num acordo (de Dayton) imposto pela comunidade internacional (quem não depusesse as armas era bombardeado), e que deixou tudo em “águas de bacalhau”. A maior parte dos bósnios considera que a guerra ainda não acabou, estando apenas no intervalo.
(Graffiti em Mostar)
De facto, não ter havido nenhum vencedor ajuda a este sentimento. Os sérvios dizem que teriam ganho a guerra sem a intervenção de alguns países ocidentais, que furaram o embargo de armas, ajudando os bósnios (é verdade). Os bósnios dizem que sem os Acordos de Dayton teriam ganho a guerra, uma vez que, devido a ajudas externas já avançavam para territórios controlados pelos sérvios (também é verdade).
Várias atrocidades cometidas durante a guerra, devidamente amplificadas pela propaganda de cada lado, ajudaram a fomentar o ódio. A organização política do país, saída dos Acordos de Dayton, ainda potencia mais a divisão: existem três presidentes rotativos, cada um representante de cada etnia (bósnios, sérvios e croatas) e as principais decisões só podem ser tomadas por consenso, o que torna o país ingovernável. Os bósnios e os croatas acusam os sérvios de quererem que a Bósnia falhe enquanto país, minando o governo por dentro. O país está dividido em dois, a Federação Bósnia-Herzegovina, região controlada por bósnios e croatas e a República Sprska, controlada pelos sérvios (existe ainda uma pequena zona tampão, neutra, denominada Brcko).
Não sei se repararam, mas apesar de cada etnia ter a sua religião, ainda não referi nenhum aspecto religioso. É que, para variar, esta guerra não tem contornos religiosos, é uma guerra assente no nacionalismo bacoco, e nada mais.
O futuro do país parece complicado, será necessária mais uma geração, pelo menos, para atenuar o ódio. Resta saber se o “intervalo” da guerra resiste até lá.
No entanto, a vida diária na Bósnia é completamente normal. Do ponto de vista de um turista é um país que tem muito para oferecer, belas paisagens naturas, cidades com História e grande interesse arquitectónico. Comecemos por Sarajevo, a capital.
SARAJEVO
Primeiro pensamento a chegar a Sarajevo: entro no terminal do aeroporto e cheira a tabaco. Depois de percorrer a pé o quilómetro de distância entre o aeroporto e a paragem de autocarro mais próxima (não é só por cá que os taxistas têm força) pelo bairro de Dobrinja (dos mais fustigados durante a guerra, ainda com marcas visíveis), entro no autocarro, com uma grande placa que diz ser proibido fumar. O motorista está com um cigarro na boca. Muito se fuma em Sarajevo…
Logo nos primeiros passos em Sarajevo nota-se muito a multiculturalidade. Há algumas (poucas) mulheres de Burkha, bastantes com véu na cabeça, e também muitas com calções muito curtos e decotes avantajados. Sarajevo é das mais pequenas capitais onde já estive, mas é das cidades mais diversificadas que conheci. O centro histórico é dividido em duas partes, uma mini-Budapeste, com edifícios de estilo europeu, e uma mini-Istambul, com arquitectura e concepção influenciada pela ocupação otomana. A divisão entre estas duas áreas é claramente marcada por uma linha marcada no chão da principal rua pedonal da cidade:
A divisão é absoluta, do lado ocidental vê-se isto:
Do lado Oriental, isto:
Claramente mais interessante (pelo menos mais exótica), a parte oriental tem grande beleza, boas esplanadas, com vários restaurantes de comida de origem turca, a preços muito bons.
Vários Minaretes:
A principal Praça da parte oriental, Bascarsija, “Praça dos Pássaros”, e percebe-se porquê:
O Cevapi, a variação bósnia do Khebab, servido em pão e com cebola crua (achei um pouco enjoativo, as doses são cavalares – aqui e em toda a Bósnia – a preços bastante baixos):
A parte ocidental do centro histórico conta também com vários restaurantes com esplanada, mais ao estilo europeu. Enquanto lá estive a cidade tinha muita vida, pois estava a decorrer o Festival de Cinema de Sarajevo. Uma das praças com mais piada, onde ficava o apartamento que aluguei, era aproveitada pelos mais idosos para jogar a um xadrez gigante:
E por pombos, que aproveitavam para sujar uma estátua com outros pombos:
Parti de Lisboa para Sarajevo pela Lufthansa (via Munique), tendo ficado por quatro noites nessa cidade que serviu de base para visitas a Srebrenica, Jajce e Travnik. Daí parti para Mostar onde estive duas noites, seguidas de quatro noites em Kotor, Montenegro, que também serviu de base para visitar várias cidades montenegrinas. Por fim, duas noites em Dubrovnik, na Croácia, para visitar esta fabulosa cidade e de onde parti para Lisboa, de novo pela Lufthansa com escala em Munique (maior do que o previsto, uma vez que o voo de Dubrovnik atrasou-se e perdi a ligação – tive que vir hora e meia mais tarde com a TAP).
BÓSNIA-HERZEGOVINA
A História recente da Bósnia-Herzegovina está indelevelmente marcada pelo conflito que durou entre 1992 e 1995. As marcas físicas persistem um pouco por todo o território, mas são as marcas psicológicas, os ódios e a ideia de ter ficado tudo pouco definido, as principais ameaças ao futuro deste país.
Antes disso, o Reino da Bósnia sempre teve uma História conturbada, com diversos conflitos e diversas potências colonizadoras, o que lhe confere uma notável diversidade étnica e religiosa. Durante a Idade Média foi um “protectorado” húngaro, tendo sido conquistado pelos Otomanos no Século XV. No Século XIX passou para as mãos do Império Austro-Húngaro, contrariando o interesse sérvio em incluir a Bósnia numa grande Sérvia, e que mais tarde levou ao atentado cometido contra o herdeiro da coroa Austro-Húngara, acontecimento que desencadeou a série de equívocos que originou a I Guerra Mundial. Após a Guerra Mundial a Bósnia foi incluída na Jugoslávia.
Durante a II Guerra Mundial a Bósnia lutou ao lado dos Croatas a favor da Alemanha, tendo sido derrotada pelos Partizans sérvios, o que fragilizou a posição da população bósnia no interior da Jugoslávia. Após a WWII Josip Broz Tito tornou-se Presidente da Jugoslávia, e apesar de ser Comunista pertenceu sempre ao grupo dos “não-alinhados” durante a Guerra Fria, o que chateou a URSS, mas permitiu uma maior abertura ao Ocidente, tendo a Jugoslávia sido dos países mais prósperos durante esse período. Tito conseguiu igualmente unir todos os povos constituintes da Jugoslávia, anulando os movimentos nacionalistas. Actualmente, na maioria dos países da ex-Jugoslávia paira no ar um sentimento, apelidado por vários autores de “Titostalgie”, a população tem saudades do tempo de prosperidade e paz que Tito lhes proporcionou.

(Camisola com foto de Tito e com a inscrição “Sem Josip os ladrões multiplicam-se”)

(“Viva Tito” num apeadeiro de Caminho de Ferro)
Após a queda de Tito, os vários nacionalismos renasceram, principalmente após a chegada de Milosevic ao poder, que apoiou e muito a causa nacionalista sérvia, relegando as outras facções para papéis secundários, o que, com a ajuda de uma crise económica começou a precipitar o fim da Jugoslávia. Na Bósnia, várias pessoas disseram que Milosevic foi colocado pela CIA na presidência para destruir a Jugoslávia.
O primeiro país a declarar unilateralmente a independência foi a Eslovénia, tendo-se seguido uma curta guerra que durou 10 dias, após os quais se chegou a um acordo entre as partes a favor da independência, uma vez que ao lado, a Croácia preparava-se para fazer o mesmo. Neste caso, o exército jugoslavo, controlado maioritariamente por sérvios, reagiu mais energicamente (provavelmente resquícios da WWII) e iniciou uma guerra que durou cerca de um ano. A resistência das forças croatas, principalmente em Vukovar e Dubrovnik, foi fundamental para a manutenção das fronteiras croatas.
Cerca de um ano depois é a vez da Bósnia, que sempre se mantivera neutra no conflito servo-croata, declarar a independência. Neste caso seria bem mais complicado, uma vez que cerca de um terço dos bósnios são de origem sérvia, havendo igualmente uma minoria relevante de croatas. Estavam criadas as condições para um largo conflito tripartido, com grandes voltas e reviravoltas (inicialmente os croatas lutaram a favor dos sérvios, para posteriormente se aliarem aos bósnios), que durou quase 4 anos, terminando num acordo (de Dayton) imposto pela comunidade internacional (quem não depusesse as armas era bombardeado), e que deixou tudo em “águas de bacalhau”. A maior parte dos bósnios considera que a guerra ainda não acabou, estando apenas no intervalo.

(Graffiti em Mostar)
De facto, não ter havido nenhum vencedor ajuda a este sentimento. Os sérvios dizem que teriam ganho a guerra sem a intervenção de alguns países ocidentais, que furaram o embargo de armas, ajudando os bósnios (é verdade). Os bósnios dizem que sem os Acordos de Dayton teriam ganho a guerra, uma vez que, devido a ajudas externas já avançavam para territórios controlados pelos sérvios (também é verdade).
Várias atrocidades cometidas durante a guerra, devidamente amplificadas pela propaganda de cada lado, ajudaram a fomentar o ódio. A organização política do país, saída dos Acordos de Dayton, ainda potencia mais a divisão: existem três presidentes rotativos, cada um representante de cada etnia (bósnios, sérvios e croatas) e as principais decisões só podem ser tomadas por consenso, o que torna o país ingovernável. Os bósnios e os croatas acusam os sérvios de quererem que a Bósnia falhe enquanto país, minando o governo por dentro. O país está dividido em dois, a Federação Bósnia-Herzegovina, região controlada por bósnios e croatas e a República Sprska, controlada pelos sérvios (existe ainda uma pequena zona tampão, neutra, denominada Brcko).
Não sei se repararam, mas apesar de cada etnia ter a sua religião, ainda não referi nenhum aspecto religioso. É que, para variar, esta guerra não tem contornos religiosos, é uma guerra assente no nacionalismo bacoco, e nada mais.
O futuro do país parece complicado, será necessária mais uma geração, pelo menos, para atenuar o ódio. Resta saber se o “intervalo” da guerra resiste até lá.
No entanto, a vida diária na Bósnia é completamente normal. Do ponto de vista de um turista é um país que tem muito para oferecer, belas paisagens naturas, cidades com História e grande interesse arquitectónico. Comecemos por Sarajevo, a capital.
SARAJEVO
Primeiro pensamento a chegar a Sarajevo: entro no terminal do aeroporto e cheira a tabaco. Depois de percorrer a pé o quilómetro de distância entre o aeroporto e a paragem de autocarro mais próxima (não é só por cá que os taxistas têm força) pelo bairro de Dobrinja (dos mais fustigados durante a guerra, ainda com marcas visíveis), entro no autocarro, com uma grande placa que diz ser proibido fumar. O motorista está com um cigarro na boca. Muito se fuma em Sarajevo…
Logo nos primeiros passos em Sarajevo nota-se muito a multiculturalidade. Há algumas (poucas) mulheres de Burkha, bastantes com véu na cabeça, e também muitas com calções muito curtos e decotes avantajados. Sarajevo é das mais pequenas capitais onde já estive, mas é das cidades mais diversificadas que conheci. O centro histórico é dividido em duas partes, uma mini-Budapeste, com edifícios de estilo europeu, e uma mini-Istambul, com arquitectura e concepção influenciada pela ocupação otomana. A divisão entre estas duas áreas é claramente marcada por uma linha marcada no chão da principal rua pedonal da cidade:

A divisão é absoluta, do lado ocidental vê-se isto:

Do lado Oriental, isto:

Claramente mais interessante (pelo menos mais exótica), a parte oriental tem grande beleza, boas esplanadas, com vários restaurantes de comida de origem turca, a preços muito bons.




Vários Minaretes:


A principal Praça da parte oriental, Bascarsija, “Praça dos Pássaros”, e percebe-se porquê:


O Cevapi, a variação bósnia do Khebab, servido em pão e com cebola crua (achei um pouco enjoativo, as doses são cavalares – aqui e em toda a Bósnia – a preços bastante baixos):

A parte ocidental do centro histórico conta também com vários restaurantes com esplanada, mais ao estilo europeu. Enquanto lá estive a cidade tinha muita vida, pois estava a decorrer o Festival de Cinema de Sarajevo. Uma das praças com mais piada, onde ficava o apartamento que aluguei, era aproveitada pelos mais idosos para jogar a um xadrez gigante:


E por pombos, que aproveitavam para sujar uma estátua com outros pombos:
