À hora marcada, atende o telefone no quarto do hotel em Nova Iorque. Confessa estar deitado. Acabou de dar uma entrevista ao "The New York Times" e, depois da conversa com o "Expresso", irá ainda falar com a revista "Time" e a CNN. O pretexto são as conclusões do Consenso de Copenhaga, um grupo de reflexão criado para definir os principais desafios da Humanidade, e o seu novo livro, Calma! (Cool It), que será editado em Portugal no próximo mês pela Estrela Polar. Ambos disseminam a nova mensagem de Bjorn Lomborg: o aquecimento global não é um problema prioritário e o dinheiro que se investe no seu combate seria mais do que suficiente para pôr fim aos problemas dos países em desenvolvimento.
Sou uma espécie de porta voz dos problemas chatos", afirma o professor de Estatística da Escola de Negócios de Copenhaga, de 43 anos, que, em 2001, publicou "O Ambientalista Céptico" (edição brasileira), no qual rebate os lugares-comuns mais alarmistas sobre o ambiente. Houve quem o comparasse a David Irving, historiador britânico condenado a três anos de prisão por ter negado o Holocausto. Lomborg não nega o aquecimento global. Apenas defende que os seus impactos têm sido exagerados por fundamentalistas como Al Gore e que o pânico "não ajuda a que se tomem boas decisões". Um exemplo: os mais de 100 mil milhões de euros gastos por ano no Protocolo de Quioto pouco ou nada farão para atrasar o aquecimento global, mas chegariam para dar condições de vida a todos os habitantes do Planeta, garante.
Controverso, Lomborg está habituado a fazer parte de minorias. É católico num país ferozmente não religioso, homossexual, vegetariano e não conduz um carro. Normalmente veste "jeans" e "t-shirt", e com o seu cabelo loiro e os olhos azuis mais parece um surfista do que um professor universitário. Mas ninguém lhe fica indiferente. A "Time" elegeu-o uma das 100 pessoas mais influentes do Planeta e o "The Guardian" um dos 50 heróis do meio ambiente. A Némesis de Al Gore, em discurso directo.
O que o levou a escrever este novo livro?
Fi-lo porque acho que devemos definir bem as nossas prioridades. Estamos hoje focados quase em exclusivo em apenas um dos problemas do mundo, o aquecimento global. É, sem dúvida, um problema, mas não será o fim do mundo. A informação que temos é muito parcial e exagerada, o que conduz a más decisões políticas. Não estou, de forma alguma, a atacar as pessoas que se preocupam com o aquecimento global nem a dizer que Al Gore está errado por seguir esse caminho. Só lamento o facto de muitos outros problemas que o mundo enfrenta, e onde o nosso dinheiro seria melhor aplicado, não terem um Al Gore.
Quer dar exemplos?
'O aquecimento global não é o fim do mundo' A malnutrição afecta mais de metade da população mundial (na foto, Somália)
David Turnley/Corbis
A malnutrição afecta mais de metade da população mundial (na foto, Somália)
Se olharmos para a extraordinária malnutrição que afecta mais de metade da população do mundo, essa é uma área onde podemos fazer muito com pouco dinheiro. No Consenso de Copenhaga fundado por Lomborg perguntámos a alguns dos principais economistas do mundo, incluindo cinco prémios Nobel, onde melhor aplicaríamos o nosso dinheiro. Para além da malnutrição, as prioridades definidas foram a vacinação contra doenças como a malária ou a tuberculose, e também a investigação para o desenvolvimento de melhores tecnologias agrícolas, para fazer face à crise alimentar.
Muitos acusam-no de querer debater demasiado mas agir pouco.
É uma resposta típica. O que é que de tão extraordinário se tem feito até hoje? A verdade é que se fala muito do aquecimento global mas faz-se muito pouco. Em 1992, na Cimeira da Terra, os países ricos prometeram cortar, até 2000, as emissões de CO2 para os níveis de 1990, mas não o fizeram. Depois, em Quioto, prometeram baixá-las para níveis abaixo dos de 1990 até 2010, mas, claro, não vão fazer nada disso. O mundo prometeu muito e nada cumpriu. O que proponho é que comecemos a prometer o que podemos cumprir. Por exemplo, podemos prometer que no próximo ano vamos investir cerca de 16 mil milhões de euros em tecnologias não poluentes. E, com isso, faremos com que seja mais provável que as gerações futuras possam cortar nas emissões de carbono.
Estamos a reagir com histeria ao aquecimento global?
Estamos sobretudo mal informados, porque nos tem sido vendida uma visão muito parcial e exagerada do fenómeno. Dou-lhe dois exemplos, que cito no livro: é dito que o aquecimento global irá provocar mais mortes devido ao calor, o que é verdade. O que não se diz é que também muito menos mortes devido ao frio e, muito provavelmente, essa diminuição será maior que o aumento de mortes provocadas pelo calor. Só se falam dos impactos negativos, o que nos deixa com uma compreensão muito incompleta do fenómeno.
E o outro exemplo?
É o aumento do nível do mar, que irá acontecer inevitavelmente. Contudo, o público fica com a ideia, muito por culpa do filme de Al Gore, que o mar vai subir seis metros no espaço de um século. O Painel Climático da ONU estima que essa subida será entre os 18 e 59 centímetros! Falta um certo sentido de proporção a este debate. O pânico não ajuda nada. Leva-nos a tomar más decisões. O exemplo mais óbvio é a produção de biocombustíveis, que toda a gente sabia que era uma má ideia. O que se fez foi basicamente comprar uma enorme quantidade de comida e metê-la nos depósitos dos nossos carros. Isso deve ter criado cerca de 100 milhões de pessoas com fome, obrigou a abater mais florestas tropicais para cultivar mais comida e custou milhares de milhões de euros. Exemplifica, de certa forma, o modo como lidamos com o aquecimento global.
Escreveu no livro que o protocolo de Quioto era, ao mesmo tempo, impossível de tão ambicioso e ambientalmente inconsequente. Foi uma oportunidade perdida?
O Protocolo de Quioto, mesmo que tivesse resultado, na prática nada faria contra o aquecimento global. No final do século, tê-lo-ia adiado por sete dias. Custa cerca de 115 mil milhões de euros por ano para não ter virtualmente qualquer impacto. É uma forma muito cara de fazer tão pouco. A ONU estima que, com cerca de 48 mil milhões de euros por ano, podemos dar comida, água potável, condições sanitárias, cuidados de saúde básicos e educação a todos os habitantes do Planeta. E, nas minhas contas, com 16 mil milhões de euros podemos enfrentar o problema do aquecimento global. Ou seja, podemos resolver todos os problemas de hoje por metade do dinheiro que se gasta com o Protocolo de Quioto.
Onde propõe que seja investida essa verba destinada ao combate ao aquecimento global?
No desenvolvimento de tecnologias mais baratas que permitam, no futuro, cortar mais, e a um custo mais baixo, nas emissões de carbono. Os painéis solares, por exemplo, são hoje acessíveis a apenas algumas pessoas ricas. O que precisamos não é legislar para ter mais painéis em alguns telhados, mas sim garantir que eles se tornam muito mais baratos.
No livro também desmistifica o facto de os ursos polares estarem a desaparecer.
'O aquecimento global não é o fim do mundo' Ursos polares: quioto salva um por ano, mas alvejamos 500 todos os anos
Ursos polares: quioto salva um por ano, mas alvejamos 500 todos os anos
Não ponho em causa que eles serão afectados no futuro, mas não é verdade que estamos já a perdê-los quase todos. Segundo algumas estimativas, existiriam entre 5 a 10 mil nos anos 60. Hoje, serão cerca de 22 mil. Se conseguíssemos implementar o Protocolo de Quioto, salvaríamos talvez um urso por ano. Contudo, alvejamos entre 300 a 500 todos os anos. Não seria mais inteligente deixar de os matar primeiro?!
Quando é que começou esta sua "obsessão" com a verdade por detrás do aquecimento global?
Diria antes preocupação. Fui membro da Greenpeace e também defendi muitos dos argumentos que são usados hoje. Em 1997, numa entrevista a um economista americano, ele defendia que muitos problemas ambientais eram exagerados e estavam a melhorar e não a piorar. A minha reacção imediata foi pensar que se tratava de propaganda de direita. Achei que era um bom exercício para os meus alunos demonstrar que ele estava errado. Acabámos por descobrir que muito do que ele defendia era verdade.
Porque deixou a Greenpeace?
Fiquei sem dinheiro quando era estudante. Continuo contente por ela existir. É positivo existirem organizações como essa, mas é necessário contrabalançá-las: têm uma única preocupação e usam muitas vezes uma mensagem mais fácil, que fica bem na televisão. Uma das razões porque nos preocupamos com as focas bebés no Canadá é porque é uma imagem muito forte ver focas bebés serem mortas à paulada. É algo brutal, mas não é menos brutal do que a forma como se fazem alguns transportes de bovinos na Europa. Nesse sentido, sou uma espécie de porta-voz dos problemas chatos. Trata-se de encorajar as pessoas a fazer não o que está na moda mas o que é racional.
Por vezes, transmite a ideia de que não lhe desagrada estar do outro lado da barricada...
Muita gente faz-me essa pergunta. Preferia muito mais que todos dissessem: "Sim, tens razão!" Não desgosto de estar numa minoria se tiver bons argumentos. Isto não é um concurso de popularidade.
Incomoda-o que o tenham comparado a David Irving, preso por negar o Holocausto?
Só quem não tem bons argumentos é que recorre a comparações ridículas.
Se pudesse ter votado nas presidenciais americanas de 2000, em quem teria votado?
Em Al Gore, sem dúvida. Duvido que pudesse ter sido pior do que Bush, mas, em relação ao aquecimento global, é muito enganador. É fácil dizer o que diz hoje, mas quando foi vice-presidente de Clinton foi responsável por um aumento de 11 por cento nas emissões de CO2.
Viu o filme dele?
Vi. Duas ou três vezes. E li o livro.
O que achou?
É um exemplo de comunicação muito eficaz, mas com argumentos muito fracos e habilidosos. Não diz, por exemplo, que o nível do mar vai subir seis metros. Diz: "Se toda a Gronelândia derretesse, o mar subiria seis metros." Isso é verdade mas irrelevante. É mais ou menos o mesmo que dizer: "Se um meteorito atingir a Terra, todos morreremos."
Al Gore está a dramatizar o discurso?
Está a exagerar e, por vezes, a ir além disso. Fala da tuberculose, do Ébola e dos furacões como se estivessem relacionados com o aquecimento global. Gosta dessas associações gratuitas, porque soam a algo muito perigoso.
Escreveu "Calma!" ("Cool it!") como uma resposta a "Uma Verdade Inconveniente"?
É inegável que o filme teve um papel muito importante em colocar o aquecimento global no topo da agenda e achei que tinha bons exemplos para serem contra-argumentados. É pelo facto de o tema ser hoje tão debatido, e sobretudo mal debatido, tanto em relação ao seu impacto como à forma como podemos lidar com ele, que acho importante arrefecer o debate. Daí o nome do livro.
Al Gore tem medo de debater este tema consigo?
Tivemos várias oportunidades de nos encontrar e a sua equipa sempre impediu qualquer diálogo. Houve uma apresentação na BBC em que exigiram que eu ficasse fora da sala até ele acabar. São atitudes próprias de quem não está interessado num debate aberto.
É uma atitude pouco democrática.
É a prova de que ele não está disposto a submeter-se ao teste crucial de uma personalidade democrática. Foi-lhe perguntado várias vezes o que acha dos meus argumentos e ele respondeu basicamente isto: "Há pessoas que acreditam que a chegada à Lua foi encenada. Há quem julgue que a Terra é plana. Acredito que todos se juntem com Bjorn Lomborg num sábado à noite." É de uma total falta de elegância e mostra pouca vontade em embarcar num debate construtivo, optando antes pelo ridículo.
Está optimista em relação ao futuro da Humanidade?
Sem dúvida. Mas este não é um debate sobre se a Humanidade irá ou não falhar. Trata-se de sermos capazes de dizer aos nossos filhos e netos que não nos limitámos a fazer o que estava na moda, a um preço muito elevado, mas que conseguimos fazer deste um mundo muito melhor. Esse é o grande desafio da nossa geração. E seremos capazes de ultrapassar os problemas que enfrentamos.