Cheias de 25 de Novembro de 1967

Seavoices

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Como no tópico da tempestade de 1941 se falou desta, esta aqui um testemunho dos B.V. de Odivelas sobre as inundações dessa data, não só para dar conhecimento da violência da tempestade bem como recordar todos aqueles que pereceram. Embora seja mais factual do que meteorológico, penso ser do interesse desta comunidade!

Link: http://www.bvodivelas.com/sitemega/view.asp?itemid=123&catid=1

B.V. Odivelas disse:
RELATÓRIO DOS SERVIÇOS PRESTADOS POR ESTA CORPO - RAÇÃO NAS INUNDAÇÕES DE 25/26 DE NOVEMBRO DE 1967.



A primeira chamada de pedido de socorro foi recebida pelas 21,10 horas para o lugar do Silvado, onde havia várias barracas inundadas e animais em perigo. Saiu a viatura A.P.S.T. nº 2, que embora não pudesse chegar ao local, a sua guarnição conseguiu retirar de uma das barracas 4 vitelas e 2 porcos, tendo ajudado várias pessoas a abandonar o local, visto não ser possível esgotar as aguas, pois que continuava a chover torrencialmente. Esta viatura foi depois para o Bairro Olaio para as caves que se encontravam inundadas, onde nada puderam fazer senão aconselhar os inquilinos a irem para os andares superiores.

Às 22,30 horas começaram as chamadas de socorro para gente que se encontrava em perigo nos seguintes locais: Bairro Espírito Santo, Silvado, Pombais, Póvoa de Santo Adrião, Olival de Basto, Senhor Roubado, Urmeira, Bairro de Santa Maria, Pontinha, Serra da Luz, Famões, Bairro da Barrosa, Odivelas etc.

As viaturas começaram a sair por ordem de urgência até ás 23,10 horas como se tratasse de inundações, para nós consideradas normais, mas a partir desta hora verifiquei que o nível das aguas já tinha ultrapassado o pontão dos Pombais e o de Odivelas inundando toda a área.

Às 23,40 estava consumada a grande catástrofe com todas as estradas cortadas para Odivelas, e centenas de pessoas a gritar pedindo para as salvar. Foi difícil e árduo o trabalho de todo o pessoal, e para abreviar os serviços que foram prestados, passo a descrever os salvamentos feitos e que foram possível identificar.

O primeiro salvado foi feito nas cocheiras da Câmara Municipal de Loures na Calçada do Tojal, donde retiramos uma mulher entrevada e que estava prestes a morrer afogada.

Na Arroja, Rua A nº 20 C foram salvas de morrerem afogadas duas crianças, cuja identidade é a seguinte: Margarida Felicidade de Jesus Basílio de 3 anos e Dina Teresa de Jesus de 2 anos, filhas de Manuel Batista Basílio e de Maria Rosa de Jesus, residentes na mesma morada. Estes salvamentos foram feitos pelo Bombeiro de 3ª Classe nº 14, o qual a nado e ás escuras conseguiu retirar as crianças, pelo que sofreu vários ferimentos, tendo de ser assistido no local pelo Sr. António Ferramenta, com estabelecimento na mesma Rua no nº 10.

Na Estrada da Arroja foi salvo de morrer afogado o menor de nome António Manuel Santos Leitão, de 15 anos, filho de António da Silva Leitão e de Maria Manuela dos Santos Leitão, residentes na Quintinha da Arroja Letras P.V. r/c. Este salvamento foi feito a nado pelos voluntários Bombeiro de 1ª Classe Nº 2 e pelo 3ª Classe nº 23.

No lugar do Senhor Roubado foram salvos de dentro do carro Austin 850 FG-58-93, o Senhor Alberto de Oliveira Pinto, sua esposa e seus filhos Lígia Maria Fernandes de 5 anos e Celsio Fernandes de 9 meses, moradores na Estrada de Benfica, 91 -3º Esq. Lisboa. Estes salvamentos foram feitos por meio de espia pelos voluntários Subchefe Arlindo e Aspirante nº 40. Estes mesmos voluntários salvaram no mesmo local de dentro doutro automóvel um casal que não puderam identificar.

No lugar do Silvado e Pombais, onde se encontravam um numero elevado dos nossos voluntários, foram salvas 25 pessoas entre adultos e crianças com o auxilio de escadas de molas e de cima do telhado dum prédio de lº andar e cerca de 25 pessoas de cima de barracas e arvores. Estes salvados foram feitos sobre a orientação do Subchefe Interino Guilherme, 1ª Classe nº 4 e Aspirantes nºs. 53-56-61-63-64 e MP 58, Auxiliares
nºs 6 e 7 e Aspirantes 43, 58 e Auxiliar nº 13, os quais com risco da própria vida conseguiram estes salvamentos. Não foi possível fazer identificações, visto serem tantas pessoas a pedirem socorro.

O Bombeiro de 1ª Classe nº 5 conseguiu salvar de cima de uma barraca junto ao Externato Caravela o senhor Lageira, digo António Duarte Lageira Lemos de 33 anos de idade, que perdeu a sua mulher e dois filhos que não conseguiram resistir até á chegada dos socorros. Neste salvamento colaborou o auxiliar nº 14 e o Cadete nº 5.

ás 23,40 horas com todo o pessoal e material em serviço e tendo verificado ser necessário mais material, especialmente barcos de borracha e pessoal, pedi auxilio ao B.S.B. o qual não pode comparecerem em virtude de também em Lisboa se verificar grandes inundações e ter também todo o pessoal e material em serviço.

Como a situação continuasse a agravar-se e como o meu Quartel só tem uma linha telefónica que aliás estava sempre impedida com pedidos de socorros, resolvi ligar para o Governo Civil de Lisboa pelas 0,10 horas, pedindo ao Sr. Oficial de serviço Capitão Galhardas a quem comuniquei a situação, para solicitar á Força Aérea um Helicóptero para acudir a tanta gente que ainda se encontrava em perigo e mais solicitei para pedir aos Fuzileiros Navais para me virem ajudar. Este Oficial que me prestou um auxilio relevante, manteve-se a partir daquele momento sempre em contacto comigo.

Às 0,40 horas começou a chegar ao meu Quartel os salvados, quase todos em trajos menores, os quais em principio começaram a ser vestidos com roupas dos nossos voluntários e a quem foram prestados os primeiros socorros, dando-lhes café quente etc. etc.

Às 4,00 horas da madrugada do dia 26, começaram a chegar cadáveres de homens, mulheres e crianças, que ficaram depositados no nosso Quartel.

Às 5,30 horas da manhã compareceram os Fuzileiros Navais, comandados pelo Snr. Aspirante Santos Silva e 45 praças que carregaram desde a Calçada de Carriche até ao nosso Quartel 4 Barcos de Borracha.

Em colaboração com o pessoal deste corpo de bombeiros, começaram a fazer pesquisas, tendo recolhido 52 cadáveres.

Às 16,00 horas estavam depositados no nosso Quartel 61 cadáveres.

A identidade das pessoas salvas e assistidas no nosso Quartel é a seguinte:

Carlos Chivita, Madalena Silva, José da Fonseca, Aurora de Jesus, Maria Júlia e Filhos, António Rosário, António Manuel, Carlos Alberto Andrade, António Silva, Rosaria Mola Capitão, Manuel da Fonseca, Aurora Ferreira e filhos, Fernando Garcia, esposa e filhos, Maria Rosa, José Ferreira, Deolinda Fonseca, João Jesus Lopes e filhos, José Porto, António Nunes, João Vareta, Joaquim Mendonça, Carlos Manuel, António Fernandes, José Firmino, João Brito, Elisa Cunha e filhos e Manuel Antunes.


Por não terem para onde ir, estas pessoas ficaram alojadas na nossa camarata e em macas no parque de viaturas, onde se fez uma divisão entre os vivos e os mortos.

O nosso corpo auxiliar feminino (que estava em organização) , montou uma cozinha e serviu durante 4 dias alimentação a todas estas pessoas, e graças ao auxilio que nos foi prestado pelo povo, foi possível vestir toda esta gente e alimenta-la até serem transferidos para a Paróquia de Odivelas, onde o Pároco Sussano montou uma camarata improvisada também.

No dia 26 com receio de epidemia motivada pela permanência dos cadáveres dentro do Quartel, pedi aos Serviços da Assistência para junto da Direcção Geral de Saúde providenciarem as medidas de segurança, o que foi prontamente atendido, tendo no dia 27 a Direcção Geral de Saúde enviado pessoal e material que no nosso Quartel começaram a dar as vacinas.

Dos cadáveres depositados no Quartel, só dois foram entregues ás famílias, tendo todos os outros sido transportados para o Instituto de Medicina Legal.

Nestas inundações ficamos com todas as viaturas danificadas e perdemos o nosso Auto-Pronto Socorro Tanque nº 2, que por motivo de ter ido na enxurrada em Olival de Basto, ficou praticamente sem possibilidades de recuperação.

O nosso trabalho continuou nos dias seguintes, já com a ajuda de várias corporações, na remoção de terras, viaturas, animais mortos e pesquisas de sinistrados. Tendo nestas pesquisas encontrado mais 3 cadáveres.

Os serviços de Saúde estiveram a cargo do Exmo. Senhor Dr. Rogério Proença, Dr. Vamona Sinari e as Enfermeiras D. Ivone Patrocínio e D. Maria Eugénia e os Enfermeiros Senhores 2º Sargento da C.V.P. Manuel Caldeira, Manuel Monteiro Fernandes Palha e José da Conceição Emídio, que desde a madrugada do dia 26, prestaram assistência aos sinistrados dentro do nosso Quartel.


Quartel em Odivelas aos 27 de Novembro de 1967


O Comandante do Corpo


Fernando de Oliveira Aleixo
 


Vince

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23 Jan 2007
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Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Video RTP




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(c) AS CHEIAS NO SUL DE PORTUGAL EM DIFERENTES. TIPOS DE BACIAS HIDROGRÁFICAS
http://www.ceg.ul.pt/finisterra/numeros/2001-71/71_05.pdf
 
Editado por um moderador:

Vince

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Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Foi há 40 anos.

NUNCA CHOVEU TANTO COMO EM 67
KÁTIA CATULO

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Torrentes de água deixaram submersa a Grande Lisboa
Cinco horas de chuvas torrenciais mergulharam a Grande Lisboa na maior inundação que a região alguma vez conheceu. Faz hoje 40 anos que as cheias de 1967 provocaram mais de 700 mortos e cerca de 1100 desalojados em Lisboa, Loures, Odivelas, Vila Franca de Xira e Alenquer. A enxurrada matou famílias inteiras, arrastou carros, árvores e animais e destruiu pontes, estradas e casas.

A chuva atingiu entre as 19.00 e a meia- -noite do dia 25 de Novembro as zonas baixas dos quatro concelhos da Grande Lisboa, mas só na manhã seguinte é que os portugueses se depararam com a verdadeira dimensão da tragédia. Urmeira, Póvoa de Santo Adrião, Frielas - povoações da bacia do rio Trancão-, e a Quinta dos Silvados, em Odivelas, foram os aglomerados urbanos mais atingidos. As casas eram de madeira e centenas de moradores foram engolidos pelas águas.

Lisboa, por seu turno, ficou irreconhecível. A Avenida de Ceuta, em Alcântara, esteve submersa e o mar de lama desceu até à Avenida da Índia. A água entrou em todas as bifurcações, subiu e desceu escadarias, derrubou as portas de tabernas, lojas e rés-do-chão, arrastando mesas, cadeiras, bilhas de gás, contentores e bidões da estação ferroviária. Perto das 23.00 a chuva caiu ainda com mais força e as enxurradas atingiram um carro que circulava na Rua de Alcântara, encurralando os três ocupantes. O repórter do DN que na altura acompanhou as inundações, em Alcântara, conta que um soldado mergulhou nas águas e conseguiu retirar os três passageiros, minutos antes de o carro ser arrastado. Interrupções no trânsito sucederam-se desde a Avenida 24 de Julho ao Campo Pequeno, da zona do aeroporto da Portela à Avenida Almirante Reis, da Baixa a Santa Apolónia. Na Praça de Espanha e na Avenida da Liberdade, só se passava de barco e, na estação de caminhos-de-ferro, centenas de pessoas ficaram retidas nas carruagens porque a água submergiu as linhas.

O regime salazarista tentou minimizar os impactos das chuvas, mas as suas repercussões atravessaram fronteiras e desencadearam um movimento de solidariedade internacional. Chegaram donativos dos governos britânico e italiano, do Principado do Mónaco e até o chefe do Estado francês, o general De Gaulle, contribuiu com uma "dádiva pessoal" de 30 mil francos (900 euros, no câmbio da época). O apoio em meios sanitários veio de França, Suíça e sobretudo de Espanha, que ofereceu mil doses de vacina contra a febre tifóide.
(c) Diário Notícias



Quando a chuva trouxe a morte à capital
2007/11/25 | 14:39
Faz 40 anos que chuva torrencial resultou nas maiores cheias de Lisboa
Há 40 anos, a chuva trouxe morte à área metropolitana de Lisboa: cinco horas de temporal ininterrupto causaram cheias catastróficas, que provocaram centenas de mortos e fizeram acordar a consciência política de muitos jovens, escreve a Lusa.

Na noite de 25 para 26, entre as 19:00 e a meia-noite, choveu o equivalente a um quinto da precipitação total no ano de 1967. As cheias foram agravadas por coincidirem com o período da maré cheia, por volta das onze horas da noite.

Além das circunstâncias naturais, a acção humana também contribuiu para agravar ainda mais a catástrofe, devido à construção que impermeabilizou os solos e desviou cursos de água.

A falta de limpeza de vegetação junto aos rios e ribeiras fez com que «entupissem», sem conseguir escoar o caudal e transbordassem, levando toneladas de entulho, lixo e detritos arrastados na torrente de água, que destruíam tudo à sua passagem.

Ninguém sabe número certo de vítimas

Testemunhos da época apontam a falta de eficácia do socorro aos sobreviventes e a tentativa do regime de Salazar de impedir que a opinião pública se apercebesse da dimensão real da tragédia.

A contabilidade das vítimas não é exacta, rondando os 500 mortos e mais de mil desalojados. Quanto aos prejuízos, as estimativas apontam para três milhões de dólares ao câmbio da época.

Perceber que o regime escondia a gravidade da situação, para além de não conseguir auxiliar devidamente os sobreviventes, levou estudantes das associações académicas e organizações como a Juventude Universitária Católica a porem-se em campo, ajudando as vítimas.

Foi o despertar político de muitos estudantes, como o actual ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Mariano Gago, que afirmou ter sido «um dos primeiros momentos de mobilização» da sua geração.

Em Odivelas, um dos locais mais atingidos, o relatório do comandante dos Bombeiros Voluntários indica que as primeiras chamadas começaram a aparecer pouco depois das nove da noite de dia 25, para o lugar do Silvado.

O trabalho dos bombeiros

Debaixo de chuva torrencial constante, os bombeiros salvaram alguns habitantes de barracas e aconselharam os moradores de caves a subirem aos andares superiores.

Os pedidos de socorro continuaram a multiplicar-se à medida que a noite avançou e em breve os bombeiros não tinham mãos a medir.

Sem ter noção exacta da gravidade das cheias, o relatório refere que só pelas onze da noite se percebeu que aquela não era uma cheia normal.

«Às 23:40 estava consumada a grande catástrofe com todas as estradas cortadas para Odivelas, e centenas de pessoas a gritar pedindo para as salvar», escreveu o comandante Fernando Aleixo.

Começaram os pedidos de auxílio a outras corporações, que não tinham capacidade de responder por também estarem completamente ocupadas.

Apesar de todas as dificuldades, os bombeiros conseguiram salvar «com risco da própria vida» algumas pessoas de morrer afogadas: o relatório refere que um bombeiro, «a nado e às escuras», conseguiu resgatar duas crianças de dois e três anos.

Os bombeiros de Odivelas conseguiram salvar pessoas de dentro de carros apanhados pelas águas, do cimo de telhados de barracas e árvores.

O relato do comandante dos Bombeiros de Odivelas conta que pelas quatro da manhã começaram a chegar ao quartel os primeiros cadáveres de vítimas.

Doze horas depois, havia mais de sessenta mortos recolhidos no quartel, mas a conta não ia ficar por aí, uma vez que no rescaldo da enxurrada foram encontrados ainda mais cadáveres.

O próprio corpo de bombeiros não saiu imune da noite de tempestade: todas as viaturas ficaram danificadas e um autotanque perdeu-se na enxurrada de água, lama, árvores e detritos.
(c) Portugal Diário

Cheias de 1967voltariam a matar na Grande Lisboa
Nuno Miguel Ropio

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Dezenas de crianças perderam a vida nas cheias de Novembro de 1967

Noite de 25 para 26 de Novembro de 1967. Em pouco mais de 12 horas a região de Lisboa era atingida por fortes chuvas, que viriam a originar uma das maiores calamidades que se abateram sobre esta área. A subida das águas foi de tal maneira forte e rápida, perante a praia-mar, que ribeiras e esgotos ficaram sem qualquer capacidade para as escoar. Casas, pontes e pessoas foram arrastados à passagem daquela onda destruidora. Às portas da Primavera Marcelista, os dados oficiais controlados pela censura apontaram para 250 vítimas mortais. Todavia, o balanço final terá ascendido a mais de 700 mortos e ficou bem vivo na memória das populações fustigadas.

Agora, 40 anos que se assinalam sobre aquela catástrofe, quais seriam os efeitos de semelhantes cheias e nas mesmas áreas? "A diferença é que temos a Protecção Civil, algo que na altura não passava de uma mera intenção, mas isso não significa que possa morrer menos gente, principalmente quando esses locais foram simplesmente urbanizados e as pessoas consideram que vivem em segurança", garante José Luís Zêzere, professor universitário e investigador do Centro de Estudos Geográficos, da Universidade Clássica de Lisboa.

Segundo aquele especialista "este tipo de cheias tem um período de retorno de 200 anos". Contudo, trata-se de uma estimativa que se baseia somente numa variável estabelecida pela análise de dados relativos a uma média de 60 anos. "O que quer dizer que amanhã se podem repetir, agravadas com as alterações climáticas", alega Catarina Ramos, outra docente universitária, que tal como José Luís Zêzere desenvolve estudos sobre a dinâmica das cheias na região de Lisboa.

"A maioria das mortes registaram-se porque as pessoas viviam em bairros de lata, junto a ribeiras que transformavam em esgotos, à falta de uma casa de banho. É claro que hoje as condições de habitabilidade são outras, mas os perigos persistem porque aquelas gentes pobres foram substituídas por gentes endinheiradas", acrescenta o especialista,

Locais fortemente atingidos como Patameiras ou Urmeira, junto à ribeira de Odivelas, viram aumentar a sua densidade urbanística de 13% para 65%, apesar de se encontrarem na área de influência da bacia do rio Trancão. Tal como as áreas baixas de Odivelas, Póvoa de Santo Adrião ou Quinta da Várzea. Em Loures, a Câmara Municipal mantém parte dos seus serviços de limpeza e fiscalização numa zona inundável, que já noutra cheia, em 1983, ficou debaixo de água. E para Bucelas, que apresenta graves problemas por se encontrar em leito de cheia, perspectiva-se uma nova urbanização para um dos locais mais atingidos pela tragédia de 1967.

"Os senhores presidentes de Câmara gostam de se refugiar no "período de retorno", porque podem licenciar e defender-se, porque dentro de 200 anos já cá não estarão para lhes serem pedidas explicações", critica Catarina Ramos, salientando que "apesar de estarem a viver em leitos de cheia", as populações têm uma falsa sensação de segurança, "só porque têm as suas casas muito bem construídas".

"Este panorama, não muito agradável, da ausência de Planos de Zonas Inundáveis, por parte de concelhos que são fustigados por estes fenómenos, e o que se passa em leitos de cheia , como os licenciamentos e a falta de limpeza de cursos de água, será alvo de uma maior atenção a partir de Janeiro de 2008", adianta Cláudia Brandão, do Instituto Nacional da Água (INAG). Ao JN, a técnica reconhece que com a criação, há três meses, da Administração da Região Hidrográfica, a fiscalização sobre aquelas áreas aumentará e contará com um reforço financeiro. "O INAG desenvolveu, em 1995, um alerta de recursos hídricos que nos permite evitar episódios como há 40 anos. Em 1967 ninguém avisou", admite.
(c) Jornal de Notícias
 

olheiro

Cumulus
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18 Nov 2007
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Santo Estêvão - Santarém
Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Tinha eu na altura 19 anos e frequentava a Faculdade de Direito de Lisboa, morando em Odivelas num quarto alugado e, para sobreviver, dava explicações a particulares de Filosofia e Latim numa sala de estudos ali para os lados da Calçada de Carriche, ainda, com o seu traçado antigo....

Desci do Autocarro número 36 (Restauradores - Carriche) entre as 18 e as 19 horas e, como sempre ,fiz a pé o percurso entre o fim da Calçada de Carriche(em frente ao antigo restaurante "floresta do carriche" muito conhecido à época ) e o príncípio do Bairro que nascia junto ao velho Pelourinho de Odivelas onde então morava ... A esta distância parecia que andava uns três/quatro quilómetros...a Camioneta de Caneças da Arboricultora....que ligava directamente a freguesia de Odivelas a Lisboa vinda de Caneças e parava em Entrecampos era muito cara.....três vezes mais...uma insignificância hoje, mas que na altura davam para uma sandes, um bolo e um café....

Chovia não com muita violência...mas com muita persistência desde o fim da manhã desse dia....e a a seguir a um estio prolongado.

às seis da manhã acordei eu e outros residentes com os gritos que se ouviam sentir dos lados das Patameiras....a Chuva continuava a cair....acordámos e logo sentimos que algo de profundamente anormal tinha ocorrido...A várzea de Odivelas tinha deixado de existir....boiavam alguns carros e centenas de cadávares de cabeças de gado....

Pelo meio dia, a garagem das viaturas da Associação dos Bombeiros Voluntários de Odivelas estava cheia de cadáveres nas posições mais grotescas, apanhadas pelo inesperado da morte de uma enxurrada....cerca de 200....a maior parte das Patameiras e de da Póvoa de Santo Adriao, Flamenga e Olival de Basto onde a as águas atingiram o segundo andar de algumas habitações....e onde esmagaram barracas de habitação...

A Calçada do carriche tinha sido fatiada em dois segmentos, como um queijo flamengo, e tinha brechas descomunais...os automóveis boiavam virados do avesso...ou deixavam-se adivinhar pelos remoirnhos das águas....

A ligação entre o Senhor Roubado e Odivelas desapareceu....a água cavou lagos profundos com três metros de profundidade onde 24 horas mais tarde um ciclista acabou por sucumbir...

Odivelas a escassos 3 quilómetros de Lisboa ficou isolada da capital...

O Cheiro a cadáveres fez-se sentir por cerca de dois dias mais....

As notícias não aparececiam da forma esperada e as comunicações pelas vias mais tortuosas apareciam em Portugal e no estrangeiro...

As Associações Académicas de Lisboa, de Coimbra e do Porto fizeram a sua aparição....e centenas de estudantes de Medicina, de Direito, de Ciências.....trabalharam duramente no terreno, desenterrando corpos....assistindo às crianças e acompanhando fundamentalmente as famílias desamparadas naquelas circunstâncias....Salazar tinha dificuldades em esconder o país, do bem estar onde tudo parecia estar bem..

A PIDE vigiava....tudo e todos...desconfiada....

Dias dolorosos....para todos e foram muitos .... os que acompanharam de pé esta tragédia....Sacavém...Alverca....Vila Franca.....Queluz.....Cacém....Paço de Arcos....Jamor....e dezenas de outras povoações periféricas.....

Mas a a nossa história recente....não pode esquecer...seja política...seja meteorológica....
 
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Minho

Cumulonimbus
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6 Set 2005
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Melgaço
Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Obrigado olheiro por esse testemunho impressionante em primeira pessoa :shocking:
 

AnDré

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22 Nov 2007
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Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Até me arrepiei ao ler este testemunho...
Dou comigo a imaginar esses cenários devastadores de há 40 anos atrás... Olho em volta, penso em cada lugar que mencionaste, e tudo parece ser impossivel.
Odivelas está agora muito diferente... Já não há gado e barracas, só mesmo umas quantas junto à ribeira que penso que nem de habitação servem, mas de lugar para guardar os materiais agricolas. (Há uma série de hortas junto à ribeira..)
Tudo o resto são agora prédios e mais prédios. E até a ribeira foi recentemente limpa. E parece ter tanto espaço agora para onde se "esticar" que pensar numa cheia assim é praticamente inimaginavel. Mas ao mesmo tempo sei que cada vez que chove, toda a àgua corre para essa ribeira. A que vem de Famões, a que desce da serra da Luz, a que vem da calçada de carriche, a que desce a Ramada, e até a que vem de Caneças. Odivelas fica mesmo no buraco.
Felizmente, para mim, vivo na zona alta da cidade - Arroja. Uma localidade que naltura nem sequer existia como zona habitacional. Era apenas o lugar plantado de moinhos de vento, que estão agora em ruinas..:(
Hoje a presidente da Camara de Odivelas, Susana Amador, juntamente com o padre local, na eucaristia aqui do lugar onde vivo, fez questão de pedir que rezassemos por todas as vitimas dessa terrivel tragédia. Esteve bem a senhora presidente:)

Resumindo: 40 anos depois as coisas estão bem melhores em Odivelas. Estamos agora mais preparados para eventuais chuvadas (aliás, o mês de Outubro do ano passado foi extremamente chuvoso e pos-nos à prova.. felizmente não houve danos a lamentar!:))... Mas ainda assim, paira em muitos dos habitantes da cidade o fantasma das Cheias de 1967...
 

JAlves

Cumulus
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26 Nov 2007
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Ramada > Odivelas > Lisboa
Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

Há algum tempo que sigo este fórum e ando de dia para dia para me registar, mas depois do testemunho do Olheiro, tive que o fazer para comentar o excelente testemunho na 1ª pessoa que aqui nos deixou.

Acreditem que me arrepiei ao lê-lo pois embora tendo nascido na MAC, desde sempre (1972) que vivi em Caneças e actualmente na Ramada, pelo que conheço toda a zona descrita como a palma da minha mão.

É de facto arrepiante o que se passou, quase inacreditável quando hoje olho pela janela e vejo o "vale" de Odivelas tão sereno.

Embora tenha ouvido desde sempre os meus pais e os meus avós falarem dessa catástrofe, este descrição foi real demais.

Grave é, nos dias de hoje, constatarmos os atentados que têm sido feitos, esquecendo-se o que aconteceu no passado. Falo naturalmente nos prédios que povoam toda a margem do rio entre Odivelas e Loures, alguns por incrível que pareça, acabadinhos de construir. Refiro-me á nova urbanização precisamente junto ao quartel dos BVO.

Enfim, é o pais em que vivemos.

Um Abraço
 
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AnDré

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Odivelas (140m) / Várzea da Serra (930m)
Re: Tempestade de 25 de Novembro de 1967

"Grave é, nos dias de hoje, constatarmos os atentados que têm sido feitos, esquecendo-se o que aconteceu no passado. Falo naturalmente nos prédios que povoam toda a margem do rio entre Odivelas e Loures, alguns por incrível que pareça, acabadinhos de construir. Refiro-me á nova urbanização precisamente junto ao quartel dos BVO."

É verdade... As coisas parecem mais seguras agora, a água tem mais espaço para fluir, mas daí até se contruir quase em cima das linhas de água..:s O JAlves tem toda a razão... Nem me lembrava disso...
Prédios novinhos em folha, a 20 metros da ribeira :S
 

Vince

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23 Jan 2007
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As Cheias de Novembro de 1967 em Lisboa
Elementos de apoio preparados por J. Alveirinho Dias
.
Na noite de 25 para 26 de Novembro de 1967 registou-se, na região de Lisboa, precipitação intensa e concentrada, tendo atingido, na estação de São Julião do Tojal, no concelho de Loures, 111mm em apenas 5 horas (entre as 19h e as 24 h do dia 25). As estações da região de Lisboa registaram, nesta data, cerca de um quinto do total da precipitação anual.

Tal precipitação excepcional, cujo período de retorno está estimado em de 500 anos, provocaram a ocorrência de uma cheia repentina com duração inferior a 12 horas.

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Cheia no concelho de Odivelas (www.cm-odivelas.pt)

A cheia foi amplificada por vários factores, designadamente:

* na região de Lisboa as bacias hidrográficas têm áreas reduzidas e tempos de resposta muito curtos (2 horas);
* vastas zonas da região estão intensamente urbanizadas e impermeabilizadas;
* grande parte do coberto vegetal tinha sido destruído;
* ao longo do tempo tinham sido construídas estruturas transversais nos cursos de água, que dificultavam ou impediam a drenagem natural;
* os rios e ribeiras da região careciam de limpeza, havendo locais onde existia vegetação muito densa que dificultava a escorrência, e outros onde, ao longo do tempo, se tinha acumulado lixo variado, inclusivamente mobiliário velho e electrodomésticos;
* em muitos pontos a rede fluvial tinha sido canalizada, correndo, nalguns locais, de forma subterrânea (através de manilhas);
* o sistema de drenagem pluvial estava mal dimensionado com limpeza deficiente;
* a precipitação concentrada coincidiu com a preia-mar do Tejo, que ocorreu às 22h50;

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Consequências das cheias na Pontinha (www.jf-pontinha.pt).

Acresce que os fortes caudais da escorrência superficial tinham grande carga sólida, arrastando quantidade muito grande de detritos de dimensões muito variadas (de micra a metros), designadamente solo erodido, árvores, fragmentos de muros e blocos de edificações destruídas. Nalguns pontos a corrente de cheia revelou características de corrente de densidade. Muitas vezes os danos foram provocados pelo impacte de detritos de grandes dimensões, que fragilizaram as estruturas, as quais acabariam por ceder perante a força da corrente.



A situação na região de Lisboa tornou-se completamente caótica. As cheias destrutivas causaram a morte de 462 pessoas e desalojaram ou afectaram cerca de 1100, submergindo centenas de casas e infra-estruturas num rio de lamas e pedras. Todavia, permanecem muitas dúvidas sobre a dimensão deste evento, designadamente no que se refere ao número de vítimas mortais, pois que o regime político da altura nunca permitiu apurar as verdadeiras consequências desta catástrofe. Algumas estimativas apontam para prejuízos da ordem dos 3 milhões de dólares a preços da época.

No dia seguinte as estruturas oficiais revelaram-se incapazes de ministrar o apoio necessário às vítimas, tendo-se, para tal, verificado mobilização da sociedade civil. Como recorda Mariano Gago "... com as cheias de 1967 e com a participação na movimentação dos estudantes de Lisboa no apoio às populações (morreram centenas de pessoas na área de Lisboa e isso era proibido dizer-se). Só as Associações de Estudantes e a Juventude Universitária Católica é que estavam no terreno a ajudar as pessoas a tirar a lama, a salvar-lhes os pertences, juntamente com alguns raros corpos de bombeiros e militares. Talvez isso, tenha sido um dos primeiros momentos de mobilização política da minha geração.
(c) Geologia Ambiental - Cheias
 

Mário Barros

Furacão
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18 Nov 2006
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Olha olha olha o IM lembrou-se

40 anos das cheias de 1967

Foi há 40 anos que a cidade de Lisboa e as localidades limítrofes, nomeadamente as da bacia do Rio Trancão, viveram 5 horas de chuvas torrencias que deixaram a área da Grande Lisboa à mercê da maior inundação que alguma vez conheceu. Durante o dia 25 de Novembro de 1967, o valor da quantidade de precipitação equivaleu a 1/5 do total anual, sendo que foram registados valores de 89,2 mm na estação de Lisboa/Geofísico e 112,5 mm na estação de Lisboa/Tapada.

O acréscimo do número e do impacto dos desastres naturais, resultado de um aumento da vulnerabilidade das sociedades e das alterações climáticas são factores motrizes para um desenvolvimento das capacidades da previsão a curto e médio prazo dos Organismos responsáveis pelo desencadear de avisos meteorológicos que permitam aos Organimos responsáveis actuar no terreno na salvagurada de vidas e bens.

Neste contexto, o Instituto de Meteorologia, I. P., Autoridade Meteorológica Nacional, para além de melhorar os seus mecanismos de vigilância e previsão do estado do tempo, implementou ainda melhores sistemas de comunicação quer com a Autoridade Nacional de Protecção Civil, quer com o público em geral, incluíndo na sua Página WEB um sistema de vigilância e Avisos.

No seguimento do assinalar desta efeméride, realiza-se dia 26 de Novembro no Instituto de Meteorologia, I. P., uma homenagem ao Dr. Silvério Figueiredo Godinho, à epoca responsável pela área de hidrologia do então Serviço Meteorológico Nacional.

http://www.meteo.pt/pt/media/noticias/40_anos_cheias_de_1967
 

n00bcentozpt

Cirrus
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21 Mar 2009
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Boas,

Será que alguém me podia dizer quais foram os factores agravantes das cheias que ocorreram a 18 de Novembro de 1983 e também a 6 de Novembro de 1997 ?

Ficaria bastante agradecido

Cumps
 

Chingula

Cumulus
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16 Abr 2009
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Boas,

Será que alguém me podia dizer quais foram os factores agravantes das cheias que ocorreram a 18 de Novembro de 1983 e também a 6 de Novembro de 1997 ?

Ficaria bastante agradecido

Cumps

Considerando a precipitação registada no Instituto Geofísico D. Luis (Lisboa), em 24 horas, os valores mais elevados registados foram em:

18 de Fevereiro de 2008 - 118 mm
5 de Dezembro de 1876 - 111 mm
19 de Novembro de 1983 - 96 mm
19 de Outubro de 1997 - 93 mm
2 de Novembro de 1997 - 91 mm
11 de Outubro de 1962 - 90 mm
26 de Novembro de 1967 - 90 mm
18 de Novembro de 1945 - 86 mm

Notar:
a) Que o espaço temporal das observações de 24 horas, corresponde ao período das 09 às 09 horas do dia seguinte (hora Universal).
b) Que o Outono de 1997 foi particularmente fértil em episódios de chuvadas, com consequências mais graves nas regiões do Sul de Portugal Continental.
c) Que as chuvadas de certa intensidade causam sempre problemas em meios urbanos, devido a um grande conjunto de factores (desde a quantidade de precipitação ocorrida, tempo de duração da precipitação, grau de impermeabilização do solo, escoamento de águas etc...).
d) Que onde são registados os valores da quantidade de precipitação numa dada data/hora, esses valores não correspondem necessariamente ao máximo de precipitação ocorrido, nessa região (nessa data/hora).
e) Para os valores da precipitação (elevados) não faz sentido as décimas de mm.
Cumps
 

vitamos

Super Célula
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11 Dez 2007
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Estarreja
Faz hoje 42 anos que sucedeu esta tragédia.

O dia de ontem será de recordar enquanto a memória dos Portugueses e, sobretudo, dos habitantes da Grande Lisboa perdurar.

A efeméride serviu para rever alguns relatos e testemunhos da época que foram sendo postos aqui e, fica sempre um arrepio pela dimensão de tão grande tragédia. E sobretudo o receio de que algo assim possa voltar a repetir-se... Não com a mesma magnitude trágica (os tempos e os meios já são outros), mas a ladainha que já fomos repetindo por aqui mantém-se... Continuam a existir zonas de risco, sobretudo nos mesmos locais onde esta tragédia decorreu.

Muito precisa ainda ser feito...