Gostei de ver este artigo publicado na edição do jornal Expresso deste fim de semana. Veio no primeiro caderno do jornal e foge bastante aos lugares comuns abordando este tema de forma diferente e evitando os muitos disparates que normalmente aparecem na imprensa sempre que algo parece não estar bem com o clima. Até o NAO e o ENSO foram abordados o que é bastante raro em imprensa generalista, e pelo meio também se fala do efeito borboleta, das limitações do nosso conhecimento e dos modelos. Finalmente aborda-se também a questão da percepção e da falta de memória climática. O artigo acaba por não ser nada de especial, pelo menos para muitos de nós aqui, mas é tão raro ver estes assuntos abordados de forma mais correcta na nossa imprensa generalista, ainda para mais no 1º caderno do nosso maior semanário, que acho que merece um aplauso 

Como explicar o caos
Inverno morno, Maio frio e Verão tórrido: o tempo está irrequieto.
Virgílio Azevedo
A frase ficou célebre - "Será que o bater de asas de uma borboleta no Brasil pode provocar um tornado no Texas?" - e era o título de um "paper" científico sobre previsibilidade publicado em 1972 por Edward Lorenz. O famoso meteorologista norte-americano do Massachusetts Institute of Technology (MIT), que morreu em Abril aos 90 anos, queria explicar porque era tão difícil fazer boas previsões do tempo e descobriu que pequenas diferenças num sistema tão dinâmico e complexo como a atmosfera podem conduzir, com frequência, a resultados inesperados e de grande impacto.
Ficou conhecido como o Efeito Borboleta e esteve na origem da Teoria do Caos. Lorenz concluiu que é impossível fazer previsões do tempo, para além das duas a três semanas, com um razoável grau de precisão. E a situação actual não mudou muito, apesar dos enormes avanços da ciência em todas as frentes.
Tivemos em Portugal um Inverno quente e uma Primavera fria. Maio foi o mês mais chuvoso do século XXI e as temperaturas máximas foram as mais baixas dos últimos 15 anos, segundo o Instituto de Meteorologia (IM). Agora, os modelos de previsão do estado do tempo a médio prazo do IM apontam para temperaturas mais elevadas e chuvas mais reduzidas do que o normal para os meses de Junho, Julho e Agosto. Enfim, o tempo anda, aparentemente, numa grande confusão. Será do aquecimento global ou haverá outra explicação para o que se passa?
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"Não há nenhuma causa que possamos atribuir a esta Primavera anómala", afirmou ao Expresso Pedro Viterbo, coordenador científico do IM. "O anticiclone dos Açores não esteve na sua posição habitual, mas isso não é uma explicação do que se passou", prossegue o cientista.
NAO não explica nada
Há estudos que mostram que a maior parte da variabilidade na Península Ibérica, isto é, "a instabilidade atmosférica causadora da maioria dos fenómenos que geram chuvas no Inverno e na Primavera", se deve à Oscilação do Atlântico Norte (NAO, na sigla inglesa). Mas esta constatação não ajuda muito para compreendermos o que se passou, "porque não há um modelo explicativo da NAO, só um modelo descritivo, de correlações estatísticas, e mais nada".
Sendo assim, o que sabe realmente a ciência sobre o clima? "Conhecemos as equações do clima e a Física que governa a meteorologia é muito simples, é a Física clássica de Newton, que tem 300 anos", reconhece Pedro Viterbo. O problema é que o sistema climático é complexo, não linear, isto é, "pequenas alterações hoje vão trazer consequências daqui a dez dias que não podem ser determinadas, e é esse o drama da meteorologia", confessa o cientista.
No fundo, "falta o conhecimento intermédio entre as leis da Física e os fenómenos climáticos, falta uma Teoria do Clima", argumenta João Corte-Real, investigador da Universidade de Évora. O decano dos climatologistas portugueses acrescenta que esta falta "está a ser substituída por modelos e não por compreensão, só que estes não explicam e são limitados". E o que Edward Lorenz provou foi que "a partir dos cinco a sete dias não era e ainda não é possível prever o tempo com confiança, sobretudo nas latitudes médias como a de Portugal, onde a sensibilidade às condições iniciais é mais importante".
Mas vamos aos factos. Será que Maio foi mesmo excepcionalmente fresco? "Acabou por ser realmente um mês frio, mas o problema é que foi precedido de cinco anos excessivamente quentes", recorda Pedro Viterbo (ver gráfico da evolução das temperaturas nesta página). O cientista adianta ainda que "a percepção do público, a sua memória climática, é curta" e considera que os desvios da precipitação em relação aos valores normais para a época "não são excepcionais, embora se registasse um elevado número de dias de chuva em Maio". Com efeito, não houve praticamente um dia sem chuva em Portugal continental e "cerca de dois terços do território teve mais de 17 dias de precipitação, o que é muito".
Duas grandes oscilações
Há dois importantes fenómenos atmosféricos e oceânicos que podem afectar o estado do tempo mundial. Um deles manifesta-se no oceano Pacífico e tem duas facetas opostas - El Niño e La Niña. O outro, de algum modo semelhante, é a já referida NAO (North Atlantic Oscillation), centrada na região norte do Atlântico, que apresenta igualmente duas fases - positiva e negativa.
Existe uma diferença fundamental entre os dois. A NAO traduz a evolução da atmosfera nas latitudes médias, "onde predomina o comportamento irregular ou caótico, o que significa que conhecer as fases da NAO não chega para fazer previsões a longo prazo na Europa", explica João Corte-Real. Em contrapartida, as anomalias da temperatura geradas por El Niño e por La Niña "são suficientes em largo grau para prever o comportamento da atmosfera a longo prazo nas latitudes tropicais", tanto na América do Sul como na América do Norte. "E alguma coisa se passa, porque se está a verificar ao mesmo tempo um arrefecimento no Pacífico e em todo o planeta".
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Texto publicado na edição do Expresso de 13 de Junho de 2008
http://aeiou.expresso.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ex.stories/343833