Completaram-se no passado dia 2 de fevereiro sessenta anos do grande nevão que cobriu Portugal, do Minho ao Algarve. Fenómeno muito raro mas não inédito no sul do país, substituiu por algumas horas a peculiar neve algarvia - a flor das amendoeiras. Pela sua singularidade, o nevão ficou registado na memória de todos os que o presenciaram e foi amplamente noticiado pelos periódicos de então, como "O Século", "Diário de Notícias", ou "A voz".
Seis décadas depois folheamos com curiosidade aqueles jornais e propomo-nos revisitar o concelho, no dia 2 de fevereiro de 1954.
Assim, e sobre Armação de Pêra publicou o Diário de Notícias (DN): "Com um céu de tonalidade uniforme de chumbo e ausência de vento, caiu neve de manhã, sobre esta localidade. Os telhados e os campos ficaram completamente brancos e o espectáculo, pela primeira vez aqui observado, impressionou vivamente a população. Apenas sobre as amendoeiras não causou espanto."
O mesmo diário noticiou o fenómeno em Tunes: "Depois de uns dias de frio intenso, esta localidade acordou sob um espesso manto de neve. Não há memória de um nevão assim no Algarve."
Por sua vez em Algoz uma notícia alargada foi divulgada em "A Voz": "Desde há dias uma intensa vaga de frio atormenta a população. Hoje, devido ao grande nevão que caiu durante a noite, os campos, telhados, arvoredo e ruas estavam cobertos de grande camada de neve, cujo aspecto era encantador, pois, nalguns pontos a camada branca atingia 40 centímetros de altura. Toda a população acorreu aos lugares mais altos, a presenciar tão lindo aspecto que se conservou, até que o Sol tudo desfez. Ninguém se recorda de tão baixa temperatura, nem tanta neve."
Sobre Alcantarilha propagou o DN: "O frio tem sido muito intenso. De manhã caiu um nevão, o que admirou muita gente, pois, na verdade não há memória de tão grande quantidade de neve. Os flocos levíssimos, pareciam pétalas de flores de amendoeira. Foi vista a primeira andorinha".
O DN noticiou também o acontecimento em S. B. Messines. E informou: "Nevou ontem com tanta intensidade que passadas pouco mais de duas horas a neve atingia em alguns pontos, mais de 30 cm de espessura. Era encantadora a visão das grandes extensões alvinitentes."
Por sua vez em Silves: "Caiu neve sobre esta cidade e arredores durante toda a tarde de ontem proporcionando um espectáculo de rara beleza. Pena foi que o peso da neve sobre as árvores tenha originado prejuízos sobretudo nas oliveiras e nas amendoeiras, de que se partiram muitas pernadas. As sementeiras ficaram ocultas, mas supõe-se que após o degelo, ressurjam sem estragos de maior."
Na verdade, e em simultâneo com o idílico espetáculo, os prejuízos sucederam-se um pouco por todo o lado.
O jornal "O Século" elencou-os em Silves: "o teatro desmontável da companhia Rafael de Oliveira, que está instalado no Largo da Senhora dos Mártires abateu com o peso da neve e os bombeiros voluntários nada puderam fazer. Um dos bombeiros foi arrastado pelo desabamento, indo cair na plateia. No sítio do Falacho um grande eucalipto abateu com o peso da neve, sucedendo o mesmo com oliveiras, e alfarrobeiras noutros sítios. As escolas primárias ficaram bloqueadas pela neve, tornando-se penoso o acesso dos alunos e professores. Nas estradas registaram-se acidentes de viação, vendo-se na ladeira de São Pedro alguns veículos voltados nas valetas, por terem derrapado na neve. Um destes veículos foi a camioneta do sr. Fontainhas Neto, de Messines. As carreiras de camionetas para Armação de Pêra foram interrompidas durante quatro horas e as fábricas da indústria corticeira não funcionaram em consequência do intenso frio que se fazia sentir. As sementeiras recentes que ainda não germinaram não sofrerão prejuízos com a neve, mas as ervilhas e as favas ficaram queimadas, o que acarreta uma grande perda para a região."
Os danos estenderam-se às redes telefónicas e energéticas, com postes e fios partidos, tornando-as inoperacionais.
Todavia, e aparte os enormes prejuízos agrícolas e materiais, o cenário causado pelo nevão foi tão singular quanto extraordinário, sendo que para muitos algarvios e silvenses, em particular, ele constituiu a primeira e única vez que presenciaram tal fenómeno. Ainda que nos últimos anos alguns flocos de neve tenham brindado o Algarve, nunca até hoje se repetiu um nevão como o de 2 de fevereiro de 1954.
Autor: Aurélio Nuno Cabrita
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