Portugal cresceu - Extensão da Plataforma Continental

Vince

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23 Jan 2007
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Portugal ganhou pedaço de território submerso

Portugal passou formalmente a ter, desde Junho, a jurisdição sobre um pedaço do leito marinho fora da Zona Económica Exclusiva (ZEE), ou seja, para lá das 200 milhas consagradas na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), noticiou o jornal Público.

Com a dimensão de 2215 hectares, este é só o primeiro passo de um alargamento muito maior do fundo marinho sob jurisdição portuguesa, cuja proposta está em elaboração pela Estrutura de Missão para Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), para ser apresentada em 2009 à Convenção da ONU sobre o Direito do Mar.

Até lá, a EMEPC, que depende do Ministério da Defesa, terá de conseguir fundamentar, com base no estudo do fundo marinho, a proposta de alargamento que vai apresentar à comissão que, no âmbito da ONU, vai decidir sobre essa matéria.

A ideia é conseguir provar que a plataforma continental se estende para além das 200 milhas, condição necessária para que a jurisdição sobre essa extensão de fundos marinhos, e respectivos recursos, seja concedida. Neste momento, os trabalhos de prospecção da EMEPC já conseguiram determinar que pelo menos mais 240 mil quilómetros quadrados de fundos marinhos estão nessa situação. Mas os responsáveis da EMEPC, citados pelo Público, consideram que esse novo território submerso poderá ir até aos 1,3 milhões de quilómetros quadrados.

A nova zona de 2215 hectares de fundo marinho que já está nesta fica junto aos Açores, para lá das 200 milhas. Proposta por Portugal, no ano passado, como Área Marítima Protegida, no âmbito da OSPAR, a Convenção para a Protecção do Ambiente Marinho no Atlântico Nordeste, aquela zona tem as fontes hidrotermais Rainbow e uma biodiversidade marinha incalculável. E, claro, situa-se na plataforma continental. | - F. N.
(c) Fonte: DN

Alargamento da plataforma continental
Portugal é o primeiro país do mundo a ter jurisdição sobre uma área superior a 200 milhas náuticas

Portugal voltou a desbravar o mar. Tornou-se o primeiro país a ter jurisdição sobre uma área para lá das 200 milhas náuticas, onde o mar é de todos. No novo pedacinho de Portugal, para os lados dos Açores, existem fontes de água quente, a 2300 metros de profundidade, onde a luz do sol nunca chega.

Para que quer um país um mundo destes? Porque, entre outras coisas, as fontes hidrotermais são oásis de vida marinha, alguma bem esquisita. Ela adaptou-se a condições extremas, como temperaturas elevadas e um ambiente tóxico, com enxofre, metais pesados, dióxido de carbono ou metano em excesso. Não depende da luz solar e da fotossíntese, mas da síntese que diversas espécies de bactérias fazem de elementos químicos oriundos das fontes hidrotermais, para obterem os nutrientes de que precisam. É nessas invulgares bactérias que assenta a cadeia alimentar: servem de refeição a outros seres vivos, que servem de refeição a outros...

Ao adaptarem-se às condições das fontes, bactérias e outros organismos podem ter desenvolvido moléculas úteis à medicina ou à indústria. Na biotecnologia, as fontes hidrotermais do mar profundo são vistas como um mundo admirável, de onde podem sair produtos industriais ou farmacêuticos surpreendentes.

Metade da cidade do Porto

"Rainbow" é o nome do novo pedaço de Portugal. Situa-se a 40 milhas do limite da zona económica exclusiva (ZEE) dos Açores. A ideia de proteger a riqueza biológica deste campo hidrotermal foi o início de uma história de conquista, em versão pacífica.

Portugal começou por propor, em Outubro de 2006, que o Rainbow fosse uma área protegida sob jurisdição portuguesa, no âmbito da Convenção para a Protecção do Ambiente Marinho no Atlântico Nordeste (OSPAR).

Para esta candidatura, entrou em cena a equipa da Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), incumbida pelo Governo de provar pela ciência, até 2009, que a parte continental do território português se prolonga mar adentro para lá das 200 milhas da costa (370 quilómetros). Se o provar, Portugal pode esticar-se — mas só pelo leito e subsolo do mar, como estabelece a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), em vigor desde 1994.

Mas a EMEPC quis apressar as coisas. Defendeu que o Rainbow fosse já reconhecido, formalmente, como parte da plataforma continental portuguesa, com base na informação científica disponível. "Portugal podia, e devia, exercer sobre ele os direitos previstos na CNUDM — ou seja, direitos de soberania sobre a plataforma continental para exploração e aproveitamento dos recursos naturais", refere uma nota de imprensa.

O sim veio no final de Junho, numa reunião dos Estados-membros da OSPAR na Bélgica. Consideraram o Rainbow como área marinha protegida ao abrigo daquela convenção regional e referiram "claramente" que está na "plataforma continental portuguesa alargada, ou seja, dentro da jurisdição nacional", diz a nota.

O novo bocado de chão português tem 2215 hectares: uns 4000 campos de futebol ou cerca de metade da cidade do Porto. Simbólico, mas talvez prenúncio de um país que vai crescer muito mais. Assim o espera Manuel Pinto de Abreu, o engenheiro hidrógrafo e oceanógrafo físico que chefia a EMEPC. Desde meados de 2005 que a sua equipa trabalha para alargar o fundo do mar português.

Até à ZEE, os países têm direito de explorar o que se encontrar na coluna de água e no fundo do mar. Transpor essa "fronteira", embora já só para o fundo do mar, dá trabalho.

Os cientistas têm de reunir uma imensidão de dados (geológicos, geofísicos, hidrográficos...) que provem que a plataforma continental dos seus territórios se prolonga, realmente, para lá das 200 milhas. Portanto, têm de saber onde os fundos marinhos deixam de ter características continentais e já têm características oceânicas. Para encontrar essa transição, usam-se como pistas a morfologia do fundo (um declive acentuado) e a geologia (o fim da continuidade dos materiais geológicos entre a parte emersa e a submersa). O problema, nalguns casos, é que esse limite não é óbvio.

O continente vezes 15?


Portugal, ilhas incluídas, tem 92.083 quilómetros quadrados e uma ZEE de 1,6 milhões de quilómetros quadrados. Até agora, os dados científicos indicam que Portugal poderá alargar-se em cerca de 240 mil quilómetros quadrados, em redor da ZEE do continente e da Madeira, diz Pinto de Abreu. Tirando os 4000 campos de futebol do Rainbow, os Açores ainda não entram nas contas, porque os levantamentos oceanográficos começaram agora. Está lá o navio Almirante Gago Coutinho e, em Setembro, seguirá o D. Carlos I.

No cenário optimista, o fundo do mar português poderá alargar-se em 1,3 milhões de quilómetros quadrados — o que é 14,9 vezes a área de Portugal continental. O cenário menos favorável é o dos 240 mil quilómetros quadrados já prospectados (2,6 vezes a área continental).

Agora, os cientistas correm contra o tempo, um esforço que custará, incluindo missões de navios, 15 milhões de euros. Até 13 de Maio de 2009, o processo de extensão da plataforma tem de estar concluído e toda a documentação tem de ser entregue na Comissão de Limites da Plataforma Continental. Se as suas recomendações forem favoráveis, Portugal poderá então exercer o acto de soberania que é fixar os limites do país. Que surpresas reservarão essas novas parcelas às gerações actuais e futuras? Petróleo? Gás? Metais? Recursos genéticos, de fontes hidrotermais ou não?

"Há quem diga que a plataforma continental é o novo Tratado de Tordesilhas para Portugal, tal a vastidão da área que pode ficar sob jurisdição nacional. Na União Europeia, Portugal já tem a maior ZEE. Com o alargamento da plataforma, passará a ser dos países com maior jurisdição marítima do mundo", diz o jurista Tiago Pitta e Cunha, que coordenou a estratégia portuguesa para os oceanos.

Quando se pergunta qual o significado do Rainbow, Pinto de Abreu sublinha: "É o reconhecimento da jurisdição nacional nessa área, sem sequer termos concluído o processo de extensão da plataforma."

O passo seguinte no Rainbow é gerir e regular a investigação e exploração dos recursos. Se os cientistas de outros países quiserem lá ir, têm de comunicar a Portugal. "É normal que partilhem parte do material recolhido", diz Pinto de Abreu. "Quando há um limite traçado, há uma barreira que geralmente é respeitada."

A incógnita, agora, é saber onde haverá mais bandeiras com as cores portuguesas no chão do Atlântico.
(c) Fonte: Público