«Vi, claramente visto, o lume vivo Que a marítima gente tem por santo, Em tempo de tormenta e vento esquivo, De tempestade escura e triste pranto. Não menos foi a todos excessivo Milagre, e cousa, certo, de alto espanto, Ver as nuvens, do mar com largo cano, Sorver as altas águas do Oceano. «Eu o vi certamente (e não presumo Que a vista me enganava): levantar-se No ar um vaporzinho e sutil fumo E, do vento trazido, rodear-se; De aqui levado um cano ao Pólo sumo Se via, tão delgado, que enxergar-se Dos olhos facilmente não podia; Da matéria das nuvens parecia. «Ia-se pouco e pouco acrecentando E mais que um largo masto se engrossava; Aqui se estreita, aqui se alarga, quando Os golpes grandes de água em si chupava; Estava-se co as ondas ondeando; Em cima dele ũa nuvem se espessava, Fazendo-se maior, mais carregada, Co cargo grande d' água em si tomada. «Qual roxa sanguesuga se veria Nos beiços da alimária (que, imprudente, Bebendo a recolheu na fonte fria) Fartar co sangue alheio a sede ardente; Chupando, mais e mais se engrossa e cria, Ali se enche e se alarga grandemente: Tal a grande coluna, enchendo, aumenta A si e a nuvem negra que sustenta. «Mas, despois que de todo se fartou, O pé que tem no mar a si recolhe E pelo céu, chovendo, enfim voou, Por que co a água a jacente água molhe; Às ondas torna as ondas que tomou, Mas o sabor do sal lhe tira e tolhe. Vejam agora os sábios na escritura Que segredos são estes de Natura!» (Os Lusíadas -V, 18-22)
Grande post! E grande Camões...tão grande que apenas posso deleitar-me a ler as suas palavras. E mais nada! "Vi claramente visto...", ele afirma! E eu acredito que tenha visto tal fenómeno nas suas viagens. Já naqueles tempos a meteorologia fazia parte da vida do dia a dia. Já tinha lido os Lusíadas mas na altura (era adolescente) ainda me faltava "um bocadinho assim" para discernir a alusão a um fenómeno meteorológico como este, tão versadamente explicado pelo nosso poeta clássico. E que bem que sabe voltar a ler e reler os Lusíadas... Sem dúvida "nuvem nacarada", trouxeste um momento de espanto ao nosso fórum. Parabéns
Um verdadeiro "relato histórico"... Afinal era Camões também um observador... apaixonado quiçá como nós... ...Porventura "meteolouco ( ? ) Grande contribuição!
Quando estudei os Lusíadas lembro-me de ler essas estrofes e na altura tinha-me parecido que podia estar a referir-se a Trombas de água Boa contribuição Nuvem Nacarada