Reportagem de Shaun Walker para o jornal britânico The Independent
"A 5°C negativos o frio pode ser refrescante.
A 20°C negativos a umidade no nariz se congela e fica diticil nao tossir.
A 35°C negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco.
E a menos 45°C ate usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e nas orelhas e rasga pedaços da pele quando voce decide tira-los.
Em Janeiro a média fica em torno de 40°C negativos. A nevoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores em pesados casacos de pele passam pela praga central, adornada por uma arvore de Natal congelada e uma estatua de Lenin.
Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de botas;eroulas termicas; uma calça jeans; uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um sueter justo de caxemira; um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de invemo com capuz; um par de luvas finas de lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de luvas de la; um cachecol de lã; e um boné, tambem revestido de lã
Saindo do quarto como se fosse o boneco Michelin, e já suando por causa do sistema de aquecimento do hotel, decido que estou pronto para encarar Yakutsk. Caminho porta afora e... bem... não acho tão ruim.
A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no geral a sensação é boa... até agradável. Desde que você esteja vestido corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa que o fluxo de sangue para o local parou. Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o capuz tampouco são páreo para os 43°C negativos e minhas orelhas comegam a pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado. Olho no relógio. Fiquei ao ar livre por 13 minutos. ahhhh.png
Yakutsk é a capital de Yakutia. região que abrange mais de 2.6 milhões de quilometros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo menos RS 1,8 mil ida e volta, uma enorme quantia num pais em que o salário médio é de RS 930 por mes.
Em Yakutsk a maioria dos carros é de importados japoneses de segunda mão, que aparentemente resistem melhor ao frio do que os veiculos russos tradicionais. Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando se vão parar apenas por meia hora, e alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade. A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630.No século 19 era usada como prisão aberta para dissidentes politicos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. "Eles perderam todo o calor que ja tiveram", escreveu. "As unicas coisas que lhes restam na vida sao vodca, vagabundas, mais vagabundas, mais vodca... Não são mais seres humanos, mas bestas selvagens." Lenin e Stalin foram dois dos presos politicos exilados em Yakutsk.
As aulas só são suspensas quando o termometro cai abaixo de 55 graus Celsius
A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A megaempresa Alrosa, responsavel por 20% da oferta mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e ate zoológico.
Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de criancas brincarem na neve da praca central, percebo que preciso de um taxi para continuar minha exploração
Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. laugh.gif
Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta a temperatura habitual, sentem uma caibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a cocar.
Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo, tudo congelado. "É claro que faz frio, mas você se acostuma", diz Nina, uma yakut que passa oito horas por dia de pé na sua banca de peixes. "Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa."
Mas ainda assim o nivel de resistencia é dificil de compreender.
Os operários continuam trabalhando na construção civil até os 50°C negativos (abaixo disso o metal se torna quebradiço) e as aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo de menos 55°C (embora o jardim-de-infância feche com menos 50°C).
Quase sem exceção, as mulheres se cobrem da cabeça aos pés com peles, muitas delas produzidas ali mesmo. Nesse clima a ética pouco importa. "Vi na televisão que na Europa existem lunáticos que dizem que nao é legal usar pele porque eles amam os animais", diz Natasha, uma moradora de Yakutsk que veste um casaco de coelho e um encantador chapéu de raposa ártica. "Deveriam vir para cá para ver se ainda se preocupam tanto com os animais. Aqui você precisa vestir peles se quiser sobreviver."
"A 5°C negativos o frio pode ser refrescante.
A 20°C negativos a umidade no nariz se congela e fica diticil nao tossir.
A 35°C negativos a pele exposta ao ar fica dormente e a necrose é um risco.
E a menos 45°C ate usar óculos fica complicado. O metal gruda no rosto e nas orelhas e rasga pedaços da pele quando voce decide tira-los.
Em Janeiro a média fica em torno de 40°C negativos. A nevoa que cobre a cidade restringe a visibilidade a 10 metros. Moradores em pesados casacos de pele passam pela praga central, adornada por uma arvore de Natal congelada e uma estatua de Lenin.
Sendo assim, antes de me aventurar pela primeira vez nas ruas de Yakutsk, me encapotei com toda uma mala de roupas. Eis o que estou vestindo: um par de meias de algodão com um par de meias térmicas por cima; um par de botas;eroulas termicas; uma calça jeans; uma camiseta térmica; uma camiseta de mangas compridas; um sueter justo de caxemira; um abrigo esportivo; um casaco acolchoado de invemo com capuz; um par de luvas finas de lã (para que eu não exponha a pele quando tirar a luva externa para fazer fotos); um par de luvas de la; um cachecol de lã; e um boné, tambem revestido de lã
Saindo do quarto como se fosse o boneco Michelin, e já suando por causa do sistema de aquecimento do hotel, decido que estou pronto para encarar Yakutsk. Caminho porta afora e... bem... não acho tão ruim.
A pequena fresta do meu rosto que está exposta registra o ar frio, mas no geral a sensação é boa... até agradável. Desde que você esteja vestido corretamente, penso eu, não é assim tão ruim. Em poucos minutos, porém, o clima gélido passa a se impor. A pele exposta começa a dar pontadas e depois fica adormecida, o que aparentemente é perigoso, porque significa que o fluxo de sangue para o local parou. Então o frio penetra pela dupla camada de luvas e congela meus dedos. O boné e o capuz tampouco são páreo para os 43°C negativos e minhas orelhas comegam a pinicar. Em seguida as pernas sucumbem. Finalmente me vejo com dores agudas pelo corpo todo e tenho de voltar a um ambiente fechado. Olho no relógio. Fiquei ao ar livre por 13 minutos. ahhhh.png
Yakutsk é a capital de Yakutia. região que abrange mais de 2.6 milhões de quilometros quadrados e onde vivem menos de 1 milhão de pessoas. A cidade fica a seis fusos horários de Moscou, mas a viagem leva seis horas num precário avião Tupolev. A passagem custa pelo menos RS 1,8 mil ida e volta, uma enorme quantia num pais em que o salário médio é de RS 930 por mes.
Em Yakutsk a maioria dos carros é de importados japoneses de segunda mão, que aparentemente resistem melhor ao frio do que os veiculos russos tradicionais. Ainda assim, os moradores costumam deixar o motor funcionando se vão parar apenas por meia hora, e alguns deixam-no ligado o dia inteiro, durante o expediente de trabalho, para garantir uma temperatura minimamente tolerável na volta para casa. A fumaça dos escapamentos contribui para a névoa que paira sobre a cidade. A região foi inicialmente conquistada pelos russos na década de 1630.No século 19 era usada como prisão aberta para dissidentes politicos. Anton Chekhov, em sua Jornada de 1890 pela Sibéria, pintou um quadro sombrio da vida dos prisioneiros dali. "Eles perderam todo o calor que ja tiveram", escreveu. "As unicas coisas que lhes restam na vida sao vodca, vagabundas, mais vagabundas, mais vodca... Não são mais seres humanos, mas bestas selvagens." Lenin e Stalin foram dois dos presos politicos exilados em Yakutsk.
As aulas só são suspensas quando o termometro cai abaixo de 55 graus Celsius
A região é rica em ouro e diamantes, razão pela qual os soviéticos decidiram transformar Yakutsk num importante centro regional, primeiro com o sistema de trabalho forçado do Gulag, depois colonizando a região com milhares de voluntários em busca de aventura, melhores salários e a chance de construir o socialismo no gelo. A megaempresa Alrosa, responsavel por 20% da oferta mundial de diamantes brutos, tem sua sede na região. Com o tempo Yakutsk virou uma cidade de verdade, com hotéis, cinemas, uma ópera, universidades, entrega de pizza e ate zoológico.
Apesar de os nativos manterem estoicamente seus afazeres e de criancas brincarem na neve da praca central, percebo que preciso de um taxi para continuar minha exploração
Os 13 minutos que passei ao ar livre me deixaram sem fôlego, praguejando e cheio de dores, o meu rosto tão vermelho que parece que acabo de voltar de uma semana no Caribe. laugh.gif
Desabo na cama do hotel e preciso de meia hora para voltar a sentir meu corpo. A parte mais desagradável começa 15 minutos depois, quando as pernas, de volta a temperatura habitual, sentem uma caibra quente sendo irradiada de dentro para fora, e todo o corpo começa a cocar.
Vou ao mercado, cheio de gente vendendo peixe, porcos e coração de cavalo, tudo congelado. "É claro que faz frio, mas você se acostuma", diz Nina, uma yakut que passa oito horas por dia de pé na sua banca de peixes. "Os seres humanos se acostumam com qualquer coisa."
Mas ainda assim o nivel de resistencia é dificil de compreender.
Os operários continuam trabalhando na construção civil até os 50°C negativos (abaixo disso o metal se torna quebradiço) e as aulas só são suspensas quando o termômetro cai abaixo de menos 55°C (embora o jardim-de-infância feche com menos 50°C).
Quase sem exceção, as mulheres se cobrem da cabeça aos pés com peles, muitas delas produzidas ali mesmo. Nesse clima a ética pouco importa. "Vi na televisão que na Europa existem lunáticos que dizem que nao é legal usar pele porque eles amam os animais", diz Natasha, uma moradora de Yakutsk que veste um casaco de coelho e um encantador chapéu de raposa ártica. "Deveriam vir para cá para ver se ainda se preocupam tanto com os animais. Aqui você precisa vestir peles se quiser sobreviver."