Urso-pardo de volta a Portugal?

belem

Cumulonimbus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Oficialmente o urso-pardo desapareceu em 1650. Mas este registo baseia-se num animal que foi abatido junto à casa da neve, na serra Amarela (PNPG). O local ficou (ou já tinha) o nome de Quelha da Ursa. Mas é bem provável que a existência do urso no Gerês e em Portugal se tenha prolongado pelas décadas seguintes. Com efeito, existem algumas (muito poucas) referências de ursos nas montanhas do Alto Minho no século XIX. Nesta altura a ocorrência da espécie seria absolutamente casual - provavelmente exemplares errantes oriundos do norte da Galiza e (ou) do sul das Astúrias. Finalmente, o último urso morto na Peneda-Gerês (um urso meio perdido vindo provavelmente do Norte) sucedeu em 1946 em Padrenda, Galiza, no sopé do planalto de Castro Laboreiro. Circulava para cá e para lá, provocando, parece, estragos no gado. Foi abatido por um lavrador chamado Camilo Loves com a ajuda da guarda-civil. O homem que ainda vivia há 5 anos foi tratado no hospital de Melgaço, de ferimentos provocados pelo urso. Um outro homem partiu uma perna quando fugia do animal.

Não me parece que o urso regresse a Portugal nos tempos mais próximos(décadas). O que resta das florestas portuguesas é pouco para sustentar uma população viável. Os carvalhais galaico-portugueses estão profundamente retalhados (apesar de tudo, em melhor estado que nos séculos XVIII, XIX e primeira metade do século X).
O mesmo para o galo-montês (Tetrao urogallus) aqui referido. Aliás não existem provas credíveis da sua existência. Receio mesmo que o único dado conhecido, uma referência encontrada num manuscrito setecentista da região do Gerês, enferme num erro de transcrição.
De qualquer das formas é provável tenha existido no Gerês, onde existem topónimos provavelmente ligados ao galo, mas isto, como disse, no tempo em que a composição e sobretudo a extensão do coberto vegetal permitia a existência da ave.
Finalmente de pouco vale reproduzir o galo em cativeiro quando as condições do meio não permitem a sua sobrevivência. Por outor lado seria necessário reunir um grupo de fundadores (reprodutores) da subespécie do noroeste da Península (diferente do galo das montanhas do nordeste, na estrutura do bico, porte etc. e mais adaptado aos pinhais de pinheiro silvestre) e não me parece que as autoridades espanholas estivessem de acordo depois do episódio da cabra-montês do Gerês.


Obrigado pelo teu interessantíssimo post.
É sempre bom juntar mais opiniões e dados para enriquecer as nossas informações e sensibilizar o público em geral.
O urso pardo fêmea de que tive notícia, andou perto da fronteira e não sei se a passou, mas é bastante provável que esse ou outro qualquer o faça uma vez ou outra. Hoje em dia a probabilidade ser alvejado acredito que seja menor, pois a mentalidade é diferente e a zona já é protegida. Existem também mais presas disponíveis hoje em dia, do que nessa altura.
Acho que para puderem voltar e estabelecer-se, só mesmo com algum esforço das pessoas e autoridades responsáveis. Provavelmente, como dizes, só daqui a umas décadas é que os veremos novamente. Ainda não se sabe... Mas tudo indicia que já entram cá.
Em relação ao tetraz, tenho algumas reservas quanto a um erro de transcrição, pois tenho aqui dados da sua presença até na Serra da Estrela, embora um pouco por alto. Na Peneda Gerês não tenho muitas dúvidas que tenha lá existido, porque existem topónimos no local referentes a ele e porque a informação sobre a sua presença nessa região está visível até na internet ( por exemplo, http://portal.icnb.pt/NR/rdonlyres/...C-B3F11C52D303/0/RevistaAiroVol10_N1_1999.pdf). Agora resta saber, quais os dados que são verdadeiros ou falsos ( este link que postei mostra um artigo algo desactualizado ( em relação por exemplo ao estatuto da águia imperial ibérica em Portugal que está a voltar de forma notória)), mas provavelmente actualizado para a altura em que foi feito. É notória a falta de informações sobre numerosas aves mencionadas neste estudo ( usa-se demasiado a expressão possível, improvável, provável, para um estudo de âmbito científico). Não sabia que a ornitologia estava tão atrasada em Portugal, embora recentemente se tenha feito algum esforço «tímido» de monitorização. Já foram observadas em estado selvagem em Portugal cerca de 600 espécies ( e com novos registos em praticamente quase todos os anos) e uma parte dessa fatia é nidificante e sedentária.
Bom, mas o mais provável é que o tetraz tenha existido mesmo e esteja extinto como já tinha referido.
A população do Noroeste da Península Ibérica ( da qual pertence também a da Peneda-Gerês ;)), encontra-se em situação muito sensível talvez até de pré-extinção, enquanto a de Nordeste está um pouco melhor.
Penso no entanto que o tetraz está numa situação diferente em relação à cabra do Gerês, porque esta última não foi fornecida por Espanha a Portugal porque era considerada prémio de caça e não havia interesse em doá-la a Portugal para repôr as populações extintas, já em relação ao tetraz, não é prémio de caça em Espanha e podia ser que tal fosse aceite. Penso que aqui o necessário é fundos e interesse de algumas pessoas. Acredito que existam condições para haver a introdução de tetrazes em algumas montanhas mais remotas do norte do país, mas isso implicaria tentar descobrir se já lá existiram ou não. Para já penso que um projecto de reprodução em cativeiro, deveria ser conduzido.
Curiosamente o urso-pardo está também numa situação algo semelhante, com duas populações divididas ( com uma população ocidental e outra oriental), mas neste caso é a população ocidental a mais numerosa e em expansão.
E novamente queria agradecer pelo teu post, que tem informações que não encontrei em lado nenhum! :thumbsup:
 


Kodiak

Cumulus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Voltando ao tema,

Não duvido da ocorrência passada do galo-montês na serra da Estrela(prefiro chamar-lhe galo- montês, equivalente ao galo do monte na lingua galega, e ao galú montez em bable asturiano) A questão é a existência do galo no Gerês. A única referência existente aparece numa cópia oitocentista de um manuscrito setecentista. O original que existia numa casa da zona de Cabril perdeu-se. E o tabelião na transcrição pode ter confundido gato-montês com galo-montês. Li o documento e na descrição das espécies aparece de facto galo-montês. Mas seria? É muito estranho que uma ave com o porte do galo apareça mencionado em apenas um documento dos muitos manuscritos existentes. A charrela (perdiz cinzenta), por exemplo, surge constantemente nos documentos setecentistas e é uma espécie muito mais apagada. Em tempos acreditei nesta tese, a do desaparecimento do galo por volta de 1750, mas hoje tenho muitas dúvidas. Existem topónimos que lembram o galo. O primeiro a falar disto foi um tal Bernard Fichesser, cidadão suiço que tentei contactar, mas sem sucesso. Encontrei nos Pirinéus um pequeno livro escrito por um françês que fala também da possibilidade do desaparecimento do galo em tempos recentes, por analogia com o desaparecimento na serra do Invernadeiro, mas não apresenta provas, é muito vago.
Acredito que tenha existido, mas em que época? Possivelmente ainda antes dos Descobrimentos. Nessa época o coberto vegetal do Gerês (do Juriz, a montanha arborizada) tinha outra dimensão. Infelizmente contra mim falo.
 

belem

Cumulonimbus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Voltando ao tema,

Não duvido da ocorrência passada do galo-montês na serra da Estrela(prefiro chamar-lhe galo- montês, equivalente ao galo do monte na lingua galega, e ao galú montez em bable asturiano) A questão é a existência do galo no Gerês. A única referência existente aparece numa cópia oitocentista de um manuscrito setecentista. O original que existia numa casa da zona de Cabril perdeu-se. E o tabelião na transcrição pode ter confundido gato-montês com galo-montês. Li o documento e na descrição das espécies aparece de facto galo-montês. Mas seria? É muito estranho que uma ave com o porte do galo apareça mencionado em apenas um documento dos muitos manuscritos existentes. A charrela (perdiz cinzenta), por exemplo, surge constantemente nos documentos setecentistas e é uma espécie muito mais apagada. Em tempos acreditei nesta tese, a do desaparecimento do galo por volta de 1750, mas hoje tenho muitas dúvidas. Existem topónimos que lembram o galo. O primeiro a falar disto foi um tal Bernard Fichesser, cidadão suiço que tentei contactar, mas sem sucesso. Encontrei nos Pirinéus um pequeno livro escrito por um françês que fala também da possibilidade do desaparecimento do galo em tempos recentes, por analogia com o desaparecimento na serra do Invernadeiro, mas não apresenta provas, é muito vago.
Acredito que tenha existido, mas em que época? Possivelmente ainda antes dos Descobrimentos. Nessa época o coberto vegetal do Gerês (do Juriz, a montanha arborizada) tinha outra dimensão. Infelizmente contra mim falo.

É de louvar o teu interesse e esforço.
Eu no trabalho que postei aqui, encontrei que chegou a ser observado e até apanhado, no século XVIII e na segunda metade do século XIX na Peneda Gerês (Vandelli,1797;Smith,1868;Bocage,1869;Tait,1924) por alguns eminentes ornitólogos.
No entanto, não fizeram referência, sobre quando exactamente ocorreu a sua extinção ( talvez não tivessem dados para tal).
Durante os Descobrimentos ocorreu uma das poucas grandes desarborizações conhecidas dentro da Peneda-Gerês, para construir algumas naus.
Felizmente alguns dos grandes carvalhais centenários da Mata da Albergaria ainda persistem.
 

Kodiak

Cumulus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Que publicação é essa e onde posso consultá-la?
Sobre os Descobrimentos: o Gerês não foi a região mais atingida - ficava relativamete longe dos estaleiros navais da época - mas ainda assim as suas madeiras foram exploradas tendo em vista a construção naval. O teixo (Taxus baccata), por exemplo, foi alvo da cobiça dos construtores pois a sua madeira elástica e resistente era muito boa para a construção dos mastros e para enrijecer (reforçar) o casco. Existe uma carta de um comandante castelhano (D. Lopo de Hozes) a Filipe III informando da existência do teixo na serra do Gerês e que a madeira desta espécie era mais resistente que muitas madeiras do Brasil. Isto depois do seu galeão, o Santa Teresa, ter sido afundado numa batalha naval contra os holandeses, após uma resistência de horas, devido precisamente à madeira de teixo. Mas apesar de tudo o teixo resistiu aos tempos e o Gerês é uma das zonas de eleição a nível peninsular com mais de 8000 exemplares adultos, um óptimo abrigo invernal para o galo-montês.
 

frederico

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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Que publicação é essa e onde posso consultá-la?
Sobre os Descobrimentos: o Gerês não foi a região mais atingida - ficava relativamete longe dos estaleiros navais da época - mas ainda assim as suas madeiras foram exploradas tendo em vista a construção naval. O teixo (Taxus baccata), por exemplo, foi alvo da cobiça dos construtores pois a sua madeira elástica e resistente era muito boa para a construção dos mastros e para enrijecer (reforçar) o casco. Existe uma carta de um comandante castelhano (D. Lopo de Hozes) a Filipe III informando da existência do teixo na serra do Gerês e que a madeira desta espécie era mais resistente que muitas madeiras do Brasil. Isto depois do seu galeão, o Santa Teresa, ter sido afundado numa batalha naval contra os holandeses, após uma resistência de horas, devido precisamente à madeira de teixo. Mas apesar de tudo o teixo resistiu aos tempos e o Gerês é uma das zonas de eleição a nível peninsular com mais de 8000 exemplares adultos, um óptimo abrigo invernal para o galo-montês.




A ideia que eu tenho é de que a zona mais afectada do país em termos de desflorestação foram as serranias da região Centro, especialmente os carvalhais da Cordilheira Central e do maciço calcáreo da Estremadura. Penso que a serra de Monchique também foi muito afectada.
 

belem

Cumulonimbus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Que publicação é essa e onde posso consultá-la?
Sobre os Descobrimentos: o Gerês não foi a região mais atingida - ficava relativamete longe dos estaleiros navais da época - mas ainda assim as suas madeiras foram exploradas tendo em vista a construção naval. O teixo (Taxus baccata), por exemplo, foi alvo da cobiça dos construtores pois a sua madeira elástica e resistente era muito boa para a construção dos mastros e para enrijecer (reforçar) o casco. Existe uma carta de um comandante castelhano (D. Lopo de Hozes) a Filipe III informando da existência do teixo na serra do Gerês e que a madeira desta espécie era mais resistente que muitas madeiras do Brasil. Isto depois do seu galeão, o Santa Teresa, ter sido afundado numa batalha naval contra os holandeses, após uma resistência de horas, devido precisamente à madeira de teixo. Mas apesar de tudo o teixo resistiu aos tempos e o Gerês é uma das zonas de eleição a nível peninsular com mais de 8000 exemplares adultos, um óptimo abrigo invernal para o galo-montês.

O trabalho postei neste tópico uns 5 posts acima.;)
Eu sei que o Gerês não foi o mais atingido, apenas referi que tinha sido desflorestado nessa altura.
E já agora obrigado por mais informações interessantes.:thumbsup:
 

psm

Nimbostratus
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estoril ,assafora
Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Acerca do desbaste de carvalhos para madeira de construção naval para os descobrimentos, foi a seguinte o carvalho alvarinho e o carvalho negral um para madeira de construção naval, e o outro para carvão para as forjas dos carvoeiros.
 

frederico

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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Tenho uma vaga ideia de que li algures que o carvalho-cerquinho também foi muito utilizado e que até algumas décadas atrás a sua madeira ainda era explorada na Estremadura, para exportação para a Escócia onde era utlizada nos materiais de fabrico do whisky.


Sei também que a madeira de Monchique também foi muito explorada, os documentos históricos referem que a madeira utilizada na construção de Vila Real de Santo António na década de 70 do século XVIII veio de Monchique. Para além disso existem referências históricas de edifícios da região que utilizaram a madeira de Monchique. E ainda resta acrescentar que há alguns séculos atrás existiram importantes estaleiros navais no Arade, devido à abundância de madeira na região.


Agora, levanto a seguinte questão, que madeira seria essa? Pessoalmente suponho que o cobiçado produto tivesse sido o Quercus Canariensis, carvalho de grande porte outrora abundante nas serranias da metade ocidental do Algarve.



Quanto ao urso, de salientar que uma vez li num foral, penso que do rei Dom Manuel I a Castro Marim ou Tavira, já não me recordo, onde era referido que a população estava obrigada a entregar ao rei x número ursos. Não me lembro ao certo dos detalhes, mas sei que memorizei esta parte dos ursos, pelo que suponho que devem ter existido ursos no passado na serra do Caldeirão.

Aliás, num livro chamado Coreografia Geral do Algarve, do século XVI, existe uma descrição fantástica da serra do Caldeirão naquela altura, onde é referida a existência de exuberantes florestas, mas também já é referido o problema da erosão nas zonas sujeitas a desflorestação :w00t:

Embora o processo de desflorestação seja já anterior aos romanos, é possível que no século XVI ainda existissem condições em termos de habitat para a presença do urso.

Quanto ao lobo na serra do Caldeirão, não tenho dúvidas que existiu até algumas décadas atrás, até porque existem muitos idosos que ainda se lembram da sua presença quando eram jovens. Mas para já, se voltássemos a ter uma população de lince na região era óptimo :thumbsup:
 

Kodiak

Cumulus
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7 Fev 2009
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

A destruição das florestas na bacia do Mediterrâneo é já muito velha, anterior ao nascimento de Cristo. No que diz respeito a Portugal a desarborização começou pelo litoral. No tempo do rei D.Fernando (século XV) dava-se já muita importância às florestas porque protegiam as áreas agricolas e porque forneciam a matéria prima para a construção naval. No tempo de D. João I Portugal possuia já um enorme esquadra - mais de 200 navios - que serviram para o assalto a Ceuta. Esta frota provocou o espanto de quem a viu passar. Dizia-se que "todas as árvores fossem transformadas em madeira e todos os homens em carpinteiros" os portugueses não tinham capacidade para fazer tamanha esquadra. Mas fizeram, esta e muitas mais, ao ponto de dominarem, quase, completamente os oceanos. Naturalmente que para construirem todos estes barcos, galeões, naus e caravelas, necessitavam de muita madeira, logo muitas árvores. Basta dizer que a quantidade necessária para a construção de uma embarcação equivalia a 2 a 4 mil árvores, de bom tronco. Todas as madeiras eram utilizadas, desde o sobro e o azinho (para a construção da estrutura) ao carvalho (mais leve) passando pelo pinheiro bravo, para os mastros e soalho e o pinheiro manso para o tabuado. O pinheiro silvestre nunca foi usado porque muito possivelmente por essa altura, como hoje, já só existia nas zonas elevadas do Gerês, com espécie indígena.No início as zonas mais atingidas foram as zonas à roda de Lisboa, num raio de cerca de 100 Km onde havia boas matas de sobreiro e pinheiro. Depois naturalmente a zona de exploração alargou-se pelas necessidades de abastecimento. E não foram só os portugueses. Em 1585 a frota espanhola reunia 300 mil toneladas de madeira, cerca de seis milhões de árvores de qualidade. Ficou conhecida pelo sugestivo nome da "Selva do Mar".
Claro que os Descobrimentos não foram os únicos culpados pela destruição das florestas. O arroteamento e o fogo causaram também enormes estragos. Creio até que na Peneda-Gerês foi esta a principal causa da destruição das principais manchas e consequentemente do desaparecimento de predadores tão importantes como o urso e o galo-montês, já aqui referidos, e do lobo cerval, em época mais próxima (século XIX).

Desculpem o tamanho do "post".
 

Kodiak

Cumulus
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7 Fev 2009
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Onde se lê predadores como o urso e o galo-montês, deve lêr-se apenas como o urso. O galo-montês não propriamente um predador.
 

Kodiak

Cumulus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Voltando a algumas questões


Sobre a publicação mencionada (galo-montês). Conheço a publicação, e na altura da redacção falei com o Paulo Catry, o autor.
Sobre o Quercus canarensis, é bem provável que tenha sido utilizado em larga escala nas construções algarvias, já que era uma espécie própria da região, com características vincadamente mediterrânicas. Infelizmente a serra de Monchique encontra-se profundamente degradada. Os povos mediterrânicos são arboricidas por natureza. É uma questão cultural.
Com o desaparecimento das florestas a fauna deixou de ter condições, como é o caso do urso. Sobre esta espécie parece-me, posso estar enganado, que no século XVI já tinha desaparecido da maioria do território português. O urso foi sempre muito apreciado como espécie venatória, sobretudo pela realeza. E os povos eram obrigados, como tributo, a entregar partes do urso morto, a prova do abate. Na maioria dos casos bastava a mão do urso. A toponimia está cheia de referências ao urso. No Gerês, por exemplo, aparecem-nos nomes tão sugestivos como quelha da Ursa, rio dos Ursos ou couto do Osso. vilar de Ossos significa Vilar dos Ursos. Serra de Ossa terá o mesmo significado. A toponímia é um magnífico instrumento para o conhecimento da distribuição passada das espécies da fauna e da flora.
Sobre o lobo e a sua distribuição, na primeira metade do século vinte, fazia-se por todo o território, incluindo o Caldeirão. Existe um trabalho, bem detalhado, da autoria de um inglês (Erik Flower), que trata deste assunto e dá uma visão muito póxima da distribuição nos anos sessenta.
De facto era óptimo ver o lince regressar ao território português. Mas para isso não basta um plano muito bonito de reprodução. É necessário que seja acompanhado de um conjunto de medidas de fundo: o habitat restaurado e presas em quantidade. E em Portugal tudo o que venha do Estado é de desconfiar. Para mais numa época de crise económica e social. Infelizmente a conservação é o parente pobre do ambiente e no País não existem movimentos capazes ou interessados em baterem-se por estas questões. As associações ambientalistas estão mortas e enterradas.
 

frederico

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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Concordo. A sensação que eu tenho é que as associações ambientalistas já foram mais activas e poderosas no passado. Nos últimos anos pouco se têm feito ouvir, e as suas batalhas não têm sido bem sucedidas. Veja-se o caso da Barragem do Sabor. E é pena, porque estamos num momento óptimo para acabar parcialmente com o divórcio entre associações ambientalistas e a população em geral.

Quanto ao lince li recentemente que vai ser criado um Centro de Reprodução no Algarve. Quanto à reintrodução do lince em ambiente natural estou muito céptico. Conheço bem a Serra Algarvia e sei que está dividida em reservas de caça. Com a caça transformada em negócio, é difícil conciliar este desporto com a preservação do ambiente. Quem explora as reservas de caça turística recebe tanto mais dinheiro quanto mais peças de caça forem abatidas pelos clientes. Por isso, para muitos destes senhores, os predadores são verdadeiros inimigos do negócio, e sei que continuam a existir abates ilegais de águias, cegonhas ou corujas-do-mato por parte dos caçadores. Por isso a reintrodução do lince na serra algarvia vai ser muito complicada e não vejo uma solução fácil à vista. Na minha opinião, as áreas protegidas e mais sensíveis deviam passar gradualmente para as mãos do Estado, como é o caso dos sapais e de algumas áreas florestais.
 

belem

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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Voltando a algumas questões


Sobre a publicação mencionada (galo-montês). Conheço a publicação, e na altura da redacção falei com o Paulo Catry, o autor.
Sobre o Quercus canarensis, é bem provável que tenha sido utilizado em larga escala nas construções algarvias, já que era uma espécie própria da região, com características vincadamente mediterrânicas. Infelizmente a serra de Monchique encontra-se profundamente degradada. Os povos mediterrânicos são arboricidas por natureza. É uma questão cultural.
Com o desaparecimento das florestas a fauna deixou de ter condições, como é o caso do urso. Sobre esta espécie parece-me, posso estar enganado, que no século XVI já tinha desaparecido da maioria do território português. O urso foi sempre muito apreciado como espécie venatória, sobretudo pela realeza. E os povos eram obrigados, como tributo, a entregar partes do urso morto, a prova do abate. Na maioria dos casos bastava a mão do urso. A toponimia está cheia de referências ao urso. No Gerês, por exemplo, aparecem-nos nomes tão sugestivos como quelha da Ursa, rio dos Ursos ou couto do Osso. vilar de Ossos significa Vilar dos Ursos. Serra de Ossa terá o mesmo significado. A toponímia é um magnífico instrumento para o conhecimento da distribuição passada das espécies da fauna e da flora.
Sobre o lobo e a sua distribuição, na primeira metade do século vinte, fazia-se por todo o território, incluindo o Caldeirão. Existe um trabalho, bem detalhado, da autoria de um inglês (Erik Flower), que trata deste assunto e dá uma visão muito póxima da distribuição nos anos sessenta.
De facto era óptimo ver o lince regressar ao território português. Mas para isso não basta um plano muito bonito de reprodução. É necessário que seja acompanhado de um conjunto de medidas de fundo: o habitat restaurado e presas em quantidade. E em Portugal tudo o que venha do Estado é de desconfiar. Para mais numa época de crise económica e social. Infelizmente a conservação é o parente pobre do ambiente e no País não existem movimentos capazes ou interessados em baterem-se por estas questões. As associações ambientalistas estão mortas e enterradas.

E então, após falares com o Paulo Catry a que conclusões chegastes?
 

belem

Cumulonimbus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Concordo. A sensação que eu tenho é que as associações ambientalistas já foram mais activas e poderosas no passado. Nos últimos anos pouco se têm feito ouvir, e as suas batalhas não têm sido bem sucedidas. Veja-se o caso da Barragem do Sabor. E é pena, porque estamos num momento óptimo para acabar parcialmente com o divórcio entre associações ambientalistas e a população em geral.

Quanto ao lince li recentemente que vai ser criado um Centro de Reprodução no Algarve. Quanto à reintrodução do lince em ambiente natural estou muito céptico. Conheço bem a Serra Algarvia e sei que está dividida em reservas de caça. Com a caça transformada em negócio, é difícil conciliar este desporto com a preservação do ambiente. Quem explora as reservas de caça turística recebe tanto mais dinheiro quanto mais peças de caça forem abatidas pelos clientes. Por isso, para muitos destes senhores, os predadores são verdadeiros inimigos do negócio, e sei que continuam a existir abates ilegais de águias, cegonhas ou corujas-do-mato por parte dos caçadores. Por isso a reintrodução do lince na serra algarvia vai ser muito complicada e não vejo uma solução fácil à vista. Na minha opinião, as áreas protegidas e mais sensíveis deviam passar gradualmente para as mãos do Estado, como é o caso dos sapais e de algumas áreas florestais.


Para já penso que é a Serra da Malcata que se tem em vista para a sua reintrodução.
Na Malcata existem referências sobre a presença de alguns linces mas são muito poucas e parece-me que falam de animais passageiros que atravessam a fronteira ocasionalmente.
 

Kodiak

Cumulus
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Re: Urso-pardo de volta à Peneda Gerês?

Na altura não cheguei a conclusão nenhuma. Não podia chegar. O Paulo Catry baseou-se no Atlas das Aves do Parque Nacional da Peneda-Gerês para mencionar a ocorrência do galo até ao século XVIII. E eu ainda estava convencido disso baseado no documento já referido. Mas agora passados estes anos já não estou convencido porque, infelizmente, suspeito que houve lapso na transcrição do original para a cópia oitocentista (contra a opinião de outros). O problema é que a autoria do Atlas, ou melhor, a co-autoria é minha. Cheguei também a escrever um artigo para uma boa revista, infelizmente falida, sobre o assunto (1995) sugerindo a reintrodução da ave.
Relativamente à toponímia, referida no Atlas, e mencionada pelo Catry não levanto questões. Como disse, não tenho dúvidas sobre a existência passada do galo. Apenas acho estranho que não apareça mencionado em outros documentos dessa época, e de épocas anteriores. Mas é apenas uma suspeita. Por isso a minha preocupação sobre o assunto.