Uma resposta de um amigo meu a artigo de jornal sobre nuclear
Caro Sr. Jornalista Leonídio Paulo Ferreira,
Refiro-me de seguida ao
seu artigo de opinião (versão on-line) no DN de 21 de Julho de 2008, intitulado “SEIS DÉCADAS DE NUCLEAR - UMA HISTÓRIA DE HIPOCRISIA” e em particular ao seu último paragrafo, que transcrevo de seguida:
“E, por falar em Irão, que sentido faz um país com as segundas reservas de petróleo do planeta insistir na energia nuclear, apesar das ameaças de sanções vindas de todo o lado, e Portugal, com uma taxa de dependência energética de 99%, recusar sequer debater o tema? E que mais pode ser, senão hipocrisia, evocar a segurança como argumento contra a energia nuclear, quando no mundo existem 400 reactores e um deles (Almaraz) fica a 200 quilómetros da fronteira portuguesa?”
Gostaria de lhe transmitir os seguintes comentários:
1. Compreendo e percebo o interesse em discutir a opção nuclear em Portugal. Contudo, tal discussão, para que seja minimamente frutuosa para o país, deverá decorrer com rigor e isenção. Não me parece que as suas afirmações se possam classificar de rigorosas.
2. Em primeiro lugar, Portugal não depende 99% do exterior em termos energéticos. Depende entre 80 a 90%, consoante tenha ocorrido um bom ou mau ano hidrológico. Resumindo, dispomos de recursos endógenos para produzir entre 10 a 20% da energia que consumimos actualmente, o que é muito diferente de 1%.
3. Em segundo lugar, a energia nuclear serve para produzir electricidade. O consumo de electricidade em Portugal representa cerca de 25% do consumo total de energia. Desta, quase 40% (do consumo de energia eléctrica) é assegurado, em Portugal, por fontes renováveis de energia (hídrica, sobretudo, e alguma eólica). Deste modo, no que toca à dependência energética do exterior das fontes utilizadas para a produção de electricidade, a dependência relativamente ao total da energia consumida é de cerca de 15% (60% x 25% = 15%). Isto é, não havendo alterações significativas na estrutura de consumo de energia eléctrica, o nuclear responderia a 15% do nosso problema da dependência.
4. A opção nuclear não aumentaria a nossa independência energética. Com efeito, as reservas de urânio de que dispomos são relativamente escassas, de má qualidade e, acima de tudo, não poderão ser usadas como combustível no estado bruto, necessitando isso sim de um processamento industrial de elevado teor tecnológico, o que seria forçosamente assegurado no exterior do país. Portanto, esta fonte de energia também seria obtida externamente, o que agravaria ainda mais a questão da dependência externa, já que TODA a tecnologia de produção seria importada, contrariamente ao que acontece com as actuais centrais térmicas e energias renováveis.
5. Finalmente, o argumento da segurança. Como é óbvio, um eventual acidente de uma central nuclear terá repercussões maiores em círculos mais próximos e consequências menores á medida que nos formos afastando do epicentro. Precisamos assim de ter uma ideia do que é “próximo”, em termos de acidentes nucleares. Uma ideia é ir ver os relatórios das consequências do acidente de Chernobyl. Outra, poderá basear-se na verificação do que é definido em termos de protecção civil nos EUA: “Local and state governments, federal agencies and the electric utilities have emergency response plans in the event of a nuclear power plant incident. The plans define two “emergency planning zones.” One covers an area within a ten-mile radius of the plant where it is possible that people could be harmed by direct radiation exposure. The second zone covers a broader area, usually up to a 50-mile radius from the plant, where radioactive materials could contaminate water supplies, food crops and livestock.” US FEDERAL EMERGENCY MANAGEMENT AGENCY, “Are you ready – Nuclear Power Plants” [10 milhas = 16 km; 50 milhas = 80 km].
6. Como poderá ver, 80 km é a distância usada para aferir da probabilidade de haver contaminação, mais imediata, no cultivo, água e animais. Já agora, a distância que interessa para este caso luso-espanhol não é aquela medida em estrada (cerca de 200 km, conforme você refere) da nossa fronteira, mas em linha recta, a qual é cerca de 110 km (Almaraz – ponto mais próximo da fronteira). Concluindo, apesar de existir um “sound byte” recorrente em Portugal de que estamos já a correr riscos da produção da energia em centrais nucleares espanholas, em abono da verdade deveremos dizer, que embora não isentos de riscos, não estaremos (Portugal) a incorrer em elevados riscos de exposição a uma acidente nuclear. Penso que existem inclusivamente normas que obrigam a consultar o estado vizinho, quando a distância é relativamente pequena, o que não aconteceu no caso de Almaraz porque o critério para a consulta não se verificou.
7. Concluindo, existem riscos relacionados com a eventualidade da ocorrência de acidentes (vd. Three Mile Island, Chernobyl, entre outros), que podem ser minimizados com um efectivo, e dispendioso, sistema de segurança. Contudo, esses riscos são naturalmente maiores para as populações PRÓXIMAS (em redor de 15 km) e não num país vizinho a mais de 100 km. Evitaria em qualquer caso classificar a sua opinião com o termo de “hipocrisia”, coisa que o Sr. Jornalista fez com a minha opinião e, creio, de muitos outros leitores.
Saudações cordiais,
Carlos Laia
carlos.laia@ceeeta.pt